Denúncia Expõe Rotina Brutal do Comando Vermelho: Tortura, Fuzis e Execuções Filmadas no Rio de Janeiro

Denúncia Expõe Rotina Brutal do Comando Vermelho: Tortura, Fuzis e Execuções Filmadas no Rio de Janeiro

Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil.

A Rotina Brutal do Comando Vermelho: Como uma Investigação do MP-RJ Revela o Terror nas Favelas Cariocas

A rotina dos integrantes do Comando Vermelho (CV), uma das mais poderosas facções criminosas do Rio de Janeiro, é marcada por uma brutalidade sistemática e uma organização que surpreende pela sua complexidade. Longe de ser um mero grupo de traficantes, o CV opera com uma hierarquia rígida, métodos de punição severos e uma comunicação constante entre seus membros. Denúncias recentes do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) trouxeram à tona detalhes chocantes desse universo, revelando a prática de tortura, treinamentos paramilitares com fuzis e a troca incessante de fotos e vídeos que glorificam a violência, ostentam armas, maços de dinheiro e grandes quantidades de drogas.

Esses pormenores cruéis e reveladores são parte integrante da Operação Contenção, deflagrada pelo MP-RJ em conjunto com forças de segurança para desmantelar a estrutura da facção nos complexos da Penha e do Alemão, vastos conjuntos de favelas localizados na zona norte da capital fluminense. A operação, embora mirando o desmantelamento do crime organizado, infelizmente, resultou em um número alarmante de mortos, superando o massacre do Carandiru e tornando-se uma das ações policiais mais letais da história do país. Esse fato sublinha a intensidade do confronto e a violência intrínseca ao domínio territorial exercido por essas facções.

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Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil.

A Estrutura Hierárquica e o Poder do Comando Vermelho

A denúncia do Ministério Público não apenas expõe a barbárie, mas também desvenda a complexa organização do Comando Vermelho, indiciando 69 indivíduos por sua participação na facção. À frente dessa estrutura estão as lideranças máximas, como Edgar Alves de Andrade, conhecido como Doca, e Pedro Paulo Guedes, o Pedro Bala. Eles representam o topo da cadeia de comando, responsáveis pelas decisões estratégicas e pela manutenção do poder da facção em territórios estratégicos do Rio de Janeiro.

A hierarquia do CV é meticulosamente dividida em três níveis principais: líderes, gerentes e soldados. Os líderes estabelecem as diretrizes gerais, enquanto os gerentes são o elo crucial entre a cúpula e a base. Entre os homens de confiança de Doca e Pedro Bala, destacam-se Carlos da Costa Neves, vulgo Gardenal, e Washington Cesar Braga da Silva, o Grandão. A eles incumbe a tarefa de capilarizar as ordens dos líderes para os escalões inferiores da facção, garantindo que as diretrizes sejam executadas com precisão e sem questionamentos.

As Múltiplas Funções dos Gerentes na Engrenagem Criminosa

Os gerentes do Comando Vermelho desempenham uma vasta gama de funções, que vão muito além da simples distribuição de drogas. Eles são responsáveis pela logística intrincada do tráfico, que inclui a orientação para a compra de armamentos pesados, munições e, em uma demonstração de modernização do crime, até mesmo drones de vigilância. Esses equipamentos são essenciais para manter o controle territorial e monitorar a aproximação de forças policiais ou facções rivais.

Além disso, a brutalidade inerente ao CV é gerenciada por esses indivíduos. São eles que têm a autoridade para ordenar a morte de soldados de menor importância — os chamados “vapores” — dentro da facção, muitas vezes como forma de punição por falhas ou deslealdade. A receptação de veículos roubados também faz parte de suas atribuições, gerando fundos e recursos para as operações da facção. Um exemplo claro dessa disciplina interna e da crueldade das punições foi interceptado nas comunicações: Gardenal, em uma mensagem, ordena o assassinato de um soldado que havia perdido armamentos. “É, o vapor mais derramado, o gerente nóis vai matar agora na frente de geral [sic]”, diz o trecho anexado à denúncia, evidenciando a barbárie imposta para manter a ordem dentro do grupo.

Gardenal também era incumbido de organizar a escala de escolta para Doca, o que revela a constante preocupação com a segurança dos líderes e a necessidade de um planejamento rigoroso. “Rapaziada, pegar a visão aqui portão do pai ninguém entra armado aqui dentro da casa e ninguém entra sem autorização”, orientava ele em uma mensagem, demonstrando a rigidez das regras de acesso e a importância da proteção dos chefes.

Tortura, Treinamento e Vigilância: Ferramentas de Domínio

Outro gerente chave na estrutura do CV é Juan Pedro Malta Ramos Rodrigues, conhecido como BMW. Apontado pelos promotores como o responsável por comandar os treinamentos de fuzis com os soldados, ele é uma peça fundamental na militarização da facção. Esses treinamentos são cruciais para manter a capacidade bélica do grupo, capacitando os soldados no manuseio de armas de fogo de alto calibre e táticas de combate urbano. BMW também controlava as câmeras de monitoramento do crime no Complexo da Penha, uma rede de vigilância que permite à facção ter olhos em diversos pontos estratégicos, garantindo o controle do território e antecipando possíveis incursões externas. Além disso, a ele cabia a coordenação de atos de tortura, revelando a extensão da crueldade empregada como forma de coerção.

As Imagens Chocantes que Revelam a Barbárie

O grau de violência e desumanidade praticado pelo Comando Vermelho é evidenciado por imagens perturbadoras obtidas pelos investigadores no arquivo de celular de BMW. Uma delas mostra uma mulher imersa em uma banheira de gelo, acompanhada da legenda: “Pra brigona que gosta de arrumar confusão no baile paizão não quer bater em morador aí a melhor forma será essa [sic]”. Essa imagem não só ilustra a tortura física, mas também a motivação por trás dela: a punição de “moradores” que desafiam as regras impostas pela facção, mesmo que em contextos sociais como um baile. É um lembrete sombrio de quem realmente dita as normas nessas comunidades.

Em outra sequência de imagens, a crueldade atinge um novo patamar: um homem aparece amarrado e amordaçado, sendo arrastado por um carro. De acordo com o Ministério Público, a motivação para essa tortura bárbara era a confissão de delação a um grupo rival. Tais atos servem como um aviso claro para qualquer um que ouse desafiar o poder da facção ou colaborar com grupos inimigos, mantendo a população subjugada pelo medo.

Logística do Tráfico e Estratégias de Defesa

A denúncia também trouxe à luz a organização por trás das operações financeiras e defensivas do tráfico. No caso de Grandão, os promotores anexaram fotos de uma barricada montada em área de mata, encontrada em seu telefone celular, que evidenciam as estratégias de defesa territorial da facção. Essas barricadas são usadas para dificultar o acesso de veículos policiais e para criar pontos de observação e confronto. Além disso, o celular de Grandão continha registros detalhados da contabilidade do tráfico de drogas e armas, revelando a complexidade financeira e a lucratividade dessas atividades ilícitas.

Gerentes específicos são escalados para supervisionar os soldados nos postos de vigilância das favelas, organizando as escalas de plantão e garantindo que cada “vapor” esteja atento e preparado. Eles também são responsáveis por orientar sobre o porte e cuidado dos fuzis, assegurando que as armas estejam sempre operacionais e que os soldados saibam como utilizá-las de forma eficaz. Essa atenção aos detalhes logísticos e militares demonstra a preocupação da facção em manter sua hegemonia e capacidade de enfrentamento.

O Impacto da Operação Contenção e os Desafios Futuros

A Operação Contenção, com suas denúncias detalhadas e o grande número de mortos, destaca o cenário de guerra urbana em que muitas comunidades do Rio de Janeiro estão inseridas. A intervenção das forças de segurança, embora necessária para combater o crime organizado, frequentemente resulta em confrontos de alta letalidade, com impactos severos na vida dos moradores e na estabilidade social da região.

A gestão do governador Cláudio Castro (PL), na época, não confirmou a prisão das principais lideranças da facção que foram alvo da denúncia. No entanto, apontou a prisão de um operador financeiro da quadrilha, indicando que as ações também miram o desmantelamento das fontes de receita do Comando Vermelho. Essa abordagem é crucial, pois atacar a base financeira das facções é tão importante quanto combater seus braços armados.

A investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro e a Operação Contenção jogam luz sobre uma realidade sombria e complexa, onde o poder do crime organizado se manifesta através da violência extrema, da imposição de regras brutais e de uma estrutura hierárquica bem definida. O desafio de desmantelar redes tão arraigadas exige estratégias multifacetadas, que combinem inteligência, ações policiais eficazes e políticas públicas que promovam a inclusão social e ofereçam alternativas aos jovens cooptados pelo crime. A luta contra o Comando Vermelho e outras facções continua sendo uma das mais urgentes e complexas questões para a segurança pública do Rio de Janeiro e do Brasil.

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