Vale e Samarco Multadas em R$1,92 bi por Dedução Fiscal Após Tragédia de Mariana

Vale e Samarco Multadas em R$1,92 bi por Dedução Fiscal Após Tragédia de Mariana

Rompimento da barragem causa destruição em Mariana.

Multa Bilionária: Carf Nega Dedução Fiscal a Samarco e Vale por Desastre de Mariana

Em um desdobramento significativo das consequências da tragédia ambiental de Mariana, a Samarco e a Vale foram autuadas e agora multadas em um montante impressionante de R$ 1,92 bilhão. A decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) manteve as autuações fiscais que impedem as mineradoras de abater do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) os valores despendidos com reparações ambientais e multas resultantes do rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em 2015.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que representou a União no processo, defendeu veementemente que tais gastos não se enquadram nos rigorosos critérios legais de necessidade, normalidade e usualidade exigidos para a dedução fiscal. A argumentação central da PGFN é que permitir essa dedução criaria uma paradoxal situação em que o Estado, ao mesmo tempo em que penaliza as empresas pelo desastre provocado, indiretamente concederia um benefício fiscal sobre essas mesmas penalidades e custos de reparação.

Durante o acalorado julgamento no Carf, a PGFN enfatizou a gravidade da situação, argumentando que a aceitação da tese defendida pelas mineradoras poderia abrir um perigoso precedente. Tal medida, segundo a Procuradoria, teria o potencial de incentivar práticas irresponsáveis e abrir brechas para atitudes ilegais, desvirtuando o propósito da legislação fiscal e ambiental. O colegiado do Carf, após análise minuciosa dos fatos e argumentos, acolheu a posição da PGFN, negando assim os pleitos de dedução apresentados pelas empresas.

Para a PGFN, a situação cria uma contradição, já que o Estado aplica uma penalidade nas empresas, pelo desastre que provocaram e, ao mesmo tempo, usam a situação para benefício fiscal.

Durante o julgamento, a PGFN alegou que aceitar a tese das mineradoras seria incentivar práticas criminosas e abrir brecha pra atitudes ilegais. O colegiado do Carf acolheu o entendimento da PGFN e negou os pedidos de dedução.

A Magnitude dos Valores e a Natureza dos Gastos

As despesas que as empresas tentaram deduzir eram consideráveis e multifacetadas, abrangendo uma série de compromissos assumidos em decorrência direta do desastre. Entre os valores em questão, estavam aqueles fixados em acordos judiciais celebrados com o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e os diversos municípios atingidos pela lama de rejeitos. Além disso, as deduções visavam incluir as multas ambientais aplicadas pelos órgãos fiscalizadores.

A decisão do Carf representa um marco importante no longo e complexo processo de responsabilização e reparação dos danos causados pela tragédia de Mariana. Embora a decisão ainda possa ser objeto de recurso dentro do próprio Carf, ela solidifica a posição do órgão em não permitir que custos decorrentes de infrações e desastres ambientais sejam tratados como despesas operacionais comuns, passíveis de abatimento fiscal.

A tragédia em Mariana completou 10 anos. — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

A tragédia em Mariana completou 10 anos. — Foto: Jornal Nacional/ Reprodução

A Posição das Mineradoras: Entre a Reparação e a Dedução

Diante da decisão, as empresas envolvidas manifestaram suas posições. A Samarco, por meio de comunicado, informou que “discutirá o assunto nos autos dos processos”, sinalizando a continuidade da batalha jurídica. A mineradora também reiterou seu compromisso com a reparação dos danos e afirmou que “cumpre rigorosamente o Novo Acordo do Rio Doce“. Este acordo, firmado entre as empresas, os governos federal e estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo, e outras instituições, visa orientar as ações de recuperação ambiental e socioeconômica na bacia do Rio Doce.

Já a Vale defendeu sua argumentação com base na natureza dos pagamentos. A empresa afirmou que “considera que a dedução de imposto de renda é aplicável, uma vez que os pagamentos de indenizações e compensações relacionados ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, refletem uma despesa obrigatória, decorrente da responsabilidade objetiva de reparação por parte da empresa”. A responsabilidade objetiva, no direito ambiental brasileiro, significa que a empresa é responsável pelos danos causados, independentemente de culpa, apenas pela existência da atividade de risco e do nexo causal com o dano.

Essa diferença de interpretação entre as mineradoras e a PGFN é o cerne da disputa. Enquanto as empresas veem os gastos como despesas compulsórias para honrar suas obrigações legais e sociais, a PGFN os considera como custos de uma infração grave, que não podem ser aliviados por meio de benefícios fiscais. O debate levanta questões fundamentais sobre ética corporativa, responsabilidade ambiental e a integridade do sistema tributário.

Entendendo os Tributos Fiscais em Questão

A tentativa de abatimento por parte da Vale e da Samarco incidiu sobre dois dos mais importantes impostos que recaem sobre o lucro das empresas no Brasil:

  • Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ): Trata-se de uma das principais fontes de arrecadação do Governo Federal. O IRPJ é um tributo cobrado sobre o lucro apurado pelas empresas, podendo ser calculado trimestralmente ou anualmente, conforme o regime tributário adotado. Sua finalidade é estritamente fiscal, contribuindo para o orçamento geral da União.
  • Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL): Esta é uma contribuição social de âmbito federal que, similarmente ao IRPJ, incide sobre o lucro líquido das empresas. Contudo, sua finalidade é específica: a CSLL é destinada a financiar a Seguridade Social, um sistema abrangente que cobre áreas essenciais como saúde pública, previdência social e assistência social.

A relevância desses impostos para a arrecadação federal e para o financiamento de políticas públicas cruciais sublinha a importância da decisão do Carf. Ao negar a dedução, o órgão fiscal não apenas reforça a interpretação da PGFN sobre a inadequação dos gastos de reparação como despesas dedutíveis, mas também protege a integridade das receitas que sustentam o Estado.

O Desastre de Mariana: Uma Ferida Ainda Aberta

A tragédia que deu origem a toda essa discussão fiscal remonta a 5 de novembro de 2015, quando a barragem de Fundão, de propriedade da mineradora Samarco, empresa controlada pela Vale e pela multinacional anglo-australiana BHP Billiton, rompeu-se catastrófica. O evento liberou uma avalanche de mais de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, um volume equivalente a cerca de 20 mil piscinas olímpicas.

Os impactos foram devastadores e se estenderam por milhares de quilômetros. O rompimento da barragem ceifou a vida de 19 pessoas, devastou comunidades inteiras como Bento Rodrigues, em Mariana (MG), e espalhou uma onda de destruição sem precedentes ao longo de toda a bacia do Rio Doce. A lama tóxica atingiu não apenas as áreas rurais e urbanas de Minas Gerais, mas também avançou até a foz do rio, no estado do Espírito Santo, e, finalmente, despejou seus detritos no Oceano Atlântico. A biodiversidade foi severamente afetada, ecossistemas foram comprometidos, e a subsistência de comunidades ribeirinhas e pescadores foi drasticamente impactada. A tragédia em Mariana é amplamente considerada o maior desastre ambiental da história do Brasil e um dos maiores do mundo na indústria de mineração.

As despesas deduzidas pelas empresas incluíam valores fixados em acordos judiciais com o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública da União e municípios atingidos, além de multas ambientaisA decisão ainda cabe recurso no Carf.

Samarco informou que discutirá o assunto nos autos dos processos. Disse também que a empresa cumpre rigorosamente o Novo Acordo do Rio Doce e reafirmou o seu compromisso com a reparação.

Vale afirmou que “considera que a dedução de imposto de renda é aplicável, uma vez que os pagamentos de indenizações e compensações relacionados ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, refletem uma despesa obrigatória, decorrente da responsabilidade objetiva de reparação por parte da empresa”.

A Vale e a Samarco tentaram abater sobre os valores sobre dois impostos que incidem sobre o lucro das empresasImposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

A barragem de Fundão, da mineradora Samarco, controlada pela Vale e BHP Billiton, rompeu-se em novembro de 2015, despejando mais de 44 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro.

O desastre matou 19 pessoas e espalhou destruição pela bacia do Rio Doce, com danos até a foz do rio, no Espírito Santo, e no Oceano Atlântico.

Implicações e Perspectivas Futuras

A decisão do Carf de manter a multa de R$ 1,92 bilhão reforça o entendimento de que a responsabilidade socioambiental de grandes corporações não pode ser diluída por meio de artifícios fiscais. Ela estabelece um importante precedente para a forma como o Estado brasileiro lida com os custos de reparações ambientais massivas decorrentes de desastres.

Para as mineradoras, a negação da dedução significa que os custos de reparação do desastre de Mariana terão um impacto financeiro ainda maior do que o inicialmente previsto ou desejado. Isso pode influenciar futuras negociações e acordos relacionados aos esforços de recuperação e compensação que ainda estão em andamento.

O processo de reparação da bacia do Rio Doce é um desafio contínuo e de longo prazo. Mesmo quase uma década após o ocorrido, as comunidades afetadas e o meio ambiente ainda sofrem as consequências, e a completa recuperação levará muitas décadas. A decisão do Carf serve como um lembrete contundente da complexidade e da seriedade das implicações legais, financeiras e éticas que acompanham grandes desastres ambientais, reforçando a importância da vigilância e da fiscalização por parte das autoridades competentes.

A sociedade, o governo e as próprias empresas continuam a buscar caminhos para assegurar que a justiça seja feita e que os impactos do desastre de Mariana sejam mitigados da forma mais completa e justa possível, sem que os responsáveis sejam beneficiados fiscalmente por despesas que deveriam ser integralmente arcadas como parte de sua responsabilização por um evento de tamanha magnitude.

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