Este artigo é de autoria de Bruno Finamore Simoni, um advogado especializado em recuperação de empresas e membro ativo da Comissão Especial de Falências do Conselho Federal da OAB, também sócio da Finamore Simoni Advogados.
Nos últimos anos, o futebol brasileiro se transformou de mero esporte para um mercado bilionário. No entanto, a paixão das torcidas e patrocinadores não tem desacelerado a crise financeira intensificada em muitos clubes.
Um exemplo recente desta crise é o Clube de Regatas Vasco da Gama. Seu plano de recuperação judicial foi aprovado por uma esmagadora maioria (97,7%) dos credores presentes após uma longa sessão de seis horas de assembleia. Este caso se destaca e reflete uma mudança na forma como as leis de falências têm lidado com o futebol.
O Vasco da Gama deve R$ 1,4 bilhão a aproximadamente 600 credores, 257 destes são trabalhistas. Isso evidencia a extensão da crise financeira que assola as organizações esportivas e a importância da recuperação judicial como ferramenta de reestruturação.
Durante décadas, clubes de futebol brasileiros, concebidos como associações civis sem fins lucrativos, foram excluídos das ferramentas de reestruturação empresarial estabelecidas na Lei nº 11.101/2005.
Contudo, a Lei nº 14.193/2021 introduziu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), modificando essa situação e permitindo a adoção de práticas empresariais e mecanismos de reequilíbrio financeiro, inclusive a recuperação judicial.
Com a recuperação judicial, clubes de futebol podem preservar suas atividades, empregos e interesses dos credores, enquanto renegociam dívidas e evitam a falência sob supervisão judicial.
No caso do Vasco da Gama, a aprovação de seu plano de recuperação é mais do que um avanço legal – representa uma reorganização financeira e institucional que possibilita ao clube investir, competir e cumprir seus deveres sociais e contratuais.
Os clubes não são apenas entidades jurídicas ou agentes de mercado, eles são patrimônios coletivos enraizados na identidade de milhões de torcedores e têm um papel que vai além do entretenimento, promovendo o esporte, integração comunitária e incentivando a juventude.
Portanto, o processo de recuperação judicial, ao equilibrar as finanças, também deve preservar a essência simbólica e social dessas instituições.
O apoio quase unânime à recuperação do Vasco mostra uma maturidade institucional, pois os credores reconhecem que o sucesso da recuperação não beneficia apenas o clube, mas todo o ecossistema econômico ligado ao esporte.
O ingresso dos clubes na recuperação judicial marca um novo capítulo no Direito Empresarial e Desportivo brasileiro, o qual reconhece o futebol como uma complexa atividade econômica sujeita a riscos de mercado e passível de reestruturação legal.
Consequentemente, a sobrevivência dos clubes dependerá de sua capacidade de equilibrar uma governança profissional, sustentabilidade financeira e a paixão que move a modalidade esportiva mais popular do país.
