Operação Carta Marcada: Combate a Crimes Contra Administração Pública no Rio Grande do Sul

Operação Carta Marcada: Combate a Crimes Contra Administração Pública no Rio Grande do Sul

Foto: Polícia Civil / Divulgação

Operação Carta Marcada: Polícia Desarticula Esquema de Fraude em Home Care no RS

A Polícia Civil do Rio Grande do Sul deu um golpe contundente contra a corrupção e o desvio de recursos públicos na manhã desta sexta-feira (31), ao deflagrar a **Operação Carta Marcada**. O objetivo primordial da força-tarefa era desarticular uma sofisticada rede criminosa que se beneficiava da judicialização de pedidos de atendimento de *home care* na região Noroeste do Estado, transformando a necessidade de pacientes em fonte de enriquecimento ilícito.

A ofensiva, coordenada pelo Dercap (Departamento Estadual de Repressão aos Crimes contra a Administração Pública), contou com o apoio crucial do Departamento de Polícia do Interior, especificamente da Regional de Três Passos. Esta colaboração interdepartamental sublinha a complexidade e a abrangência da investigação, que demandou recursos especializados tanto na área de combate à corrupção quanto no conhecimento das realidades locais.

Aproximadamente 25 policiais civis foram mobilizados para cumprir simultaneamente seis mandados de busca e apreensão na cidade de Três Passos. A operação não se limitou à busca de provas físicas; também incluiu a execução de **medidas cautelares de bloqueio e indisponibilidade de bens** dos investigados. Essa ação preventiva é fundamental para evitar a dissipação dos ativos adquiridos ilicitamente, garantindo que o prejuízo aos cofres públicos possa ser, ao menos em parte, recuperado. Como resultado imediato da investida, foram apreendidas três armas de fogo e diversos documentos que prometem robustecer ainda mais o inquérito. Além disso, **uma pessoa foi presa em flagrante**, um passo significativo na desarticulação do esquema.

O Início da Investigação e a Origem da Fraude

A complexa teia que culminou na Operação Carta Marcada teve seu ponto de partida em uma documentação minuciosa encaminhada pela Cage (Contadoria e Auditoria-Geral do Estado). A Cage, em um trabalho conjunto com a Procuradoria da Saúde da PGE (Procuradoria-Geral do Estado), iniciou uma análise aprofundada que revelou **fortes indícios de fraude** na contratação de serviços de saúde. O foco inicial era o custeio desses serviços por meio de bloqueios judiciais, um mecanismo legal que, infelizmente, vinha sendo pervertido para fins criminosos.

De acordo com as apurações meticulosas da Polícia Civil, o esquema operava por meio de uma **atuação coordenada e ardilosa** entre empresários inescrupulosos e advogados. Esse conluio tinha como objetivo principal direcionar todas as contratações de *home care* a uma empresa específica de assistência domiciliar em saúde, monopolizando um mercado que deveria ser pautado pela livre concorrência e pela qualidade do serviço prestado aos pacientes.

Para mascarar essa prática e simular uma concorrência inexistente, os criminosos apresentavam **orçamentos por vezes fraudulentos** de supostas empresas concorrentes. A investigação revelou que muitas dessas empresas ou não possuíam sede física alguma, funcionando como meras fachadas; ou não prestavam efetivamente o serviço de *home care* para o qual apresentavam orçamentos; ou, ainda mais grave, possuíam **vínculos diretos e escusos** com a empresa que era sempre a beneficiada, configurando um claro direcionamento e quebra de isonomia. Essa manobra permitia que a empresa principal sempre obtivesse os contratos, independentemente de oferecer o melhor custo-benefício ou a maior qualidade, garantindo lucros exorbitantes à custa do erário.

A Profundidade dos Processos Suspeitos e o Prejuízo Milionário

A dimensão da fraude é alarmante. Até o momento, a investigação conseguiu identificar **mais de 40 processos judiciais suspeitos** espalhados por diversas Comarcas estratégicas no Noroeste gaúcho. Entre elas estão Três Passos, Santo Augusto, Palmeira das Missões e Planalto. A concentração de irregularidades nessas regiões sugere uma rede bem estabelecida e ramificada.

Um dos dados mais chocantes revelados pela investigação é que, em aproximadamente **90% dos casos patrocinados pelo escritório de advocacia investigado**, a empresa alvo da operação foi a contratada e, consequentemente, a beneficiária dos bloqueios judiciais. Esses bloqueios eram realizados em face do Estado do Rio Grande do Sul, de diversos municípios da região e, em alguns casos, até mesmo do IPE-Saúde, comprometendo diretamente os recursos destinados à saúde pública e ao atendimento de segurados.

O Relatório de Auditoria da Cage não apenas confirmou a existência da fraude, mas também quantificou o **superfaturamento dos serviços prestados em até 293%**. Este percentual escandaloso demonstra a voracidade do esquema, que cobrava valores muito acima do mercado, gerando um **prejuízo estimado superior a R$ 200 mil até o momento**. É crucial ressaltar que este valor é apenas uma estimativa inicial e pode aumentar significativamente à medida que a investigação avança e mais processos são analisados em profundidade.

Além do superfaturamento direto, a auditoria e as investigações policiais revelaram outras irregularidades graves. Foram verificadas **divergências substanciais nos valores apresentados pela empresa para as mesmas especialidades**, indicando uma precificação arbitrária e não baseada em custos reais ou práticas de mercado. Mais preocupante ainda é a constatação de **atendimentos e atestados médicos emitidos por profissionais sem a devida especialização**, ou com especialidade diversa da exigida pelo quadro clínico dos pacientes. Essa prática não apenas configura fraude, mas também coloca em risco a saúde e a vida dos próprios pacientes, que podem não estar recebendo o tratamento adequado para suas condições, comprometendo a qualidade e a segurança do serviço de *home care*.

A Rota do Dinheiro e a Evolução Patrimonial Incompatível

A investigação da Polícia Civil foi além da análise dos contratos e orçamentos, mergulhando na movimentação financeira dos envolvidos. Foi apurada uma **evolução patrimonial incompatível** com os rendimentos lícitos declarados dos investigados. Essa evolução se manifestava na **aquisição de imóveis e veículos de alto valor**, muitos dos quais pagos de forma peculiar — **parte deles em espécie**, uma tática frequentemente utilizada para dificultar o rastreamento do dinheiro e dissimular sua origem ilícita.

Adicionalmente, as análises das movimentações financeiras revelaram que os investigados utilizavam **as mesmas contas bancárias** nas quais eram recebidos os valores provenientes dos bloqueios judiciais para realizar suas aquisições pessoais e movimentações financeiras. Essa sobreposição de fluxos de dinheiro – público, fraudulento e pessoal – é um forte indício de lavagem de dinheiro e de uma tentativa clara de integrar os recursos desviados ao patrimônio dos envolvidos.

A Operação Carta Marcada representa um marco importante na luta contra a corrupção no Rio Grande do Sul, especialmente na área da saúde, onde os recursos são escassos e a demanda, crescente. A desarticulação de um esquema tão elaborado reforça o compromisso das forças policiais e dos órgãos de controle em proteger o dinheiro público e garantir que ele seja aplicado corretamente, beneficiando a população que realmente necessita de assistência. As investigações continuam, e espera-se que novas informações e desdobramentos surjam, aprofundando a compreensão dessa complexa rede criminosa e levando todos os envolvidos à responsabilização.