MPSC Recomenda Revogação do Decreto ‘Marmita Legal’ em Florianópolis: Entenda a Polêmica sobre Doações de Alimentos
O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) emitiu uma forte recomendação à Prefeitura de Florianópolis para que revogue o Decreto Municipal n. 28.550/25. Esta norma, que regulamenta e restringe a distribuição voluntária e gratuita de alimentos em espaços públicos da capital catarinense, é popularmente conhecida como Programa Marmita Legal. Segundo o MPSC, a iniciativa municipal é considerada ilegal e inconstitucional, argumentando que ela limita direitos fundamentais e dificulta, de forma significativa, as ações humanitárias essenciais direcionadas à população em situação de rua.
A controvérsia em torno do decreto ganhou destaque devido às suas imposições, que, para o MPSC, representam um obstáculo à solidariedade. A 33ª Promotoria de Justiça da Capital, responsável pela análise, enfatiza que o decreto exige que as doações de alimentos sejam realizadas exclusivamente em locais previamente definidos pela Prefeitura, os chamados Pontos de Distribuição Organizados (PDOs). Esta exigência específica é apontada pelo Ministério Público como um fator que burocratiza a solidariedade, ferindo o direito à alimentação e à liberdade de ação dos voluntários e das instituições. Além disso, a medida restringe o uso de espaços públicos para fins claramente humanitários, impactando diretamente aqueles que dependem dessas doações para sua subsistência.
Violações de Direitos Fundamentais e Normas Legais
O MPSC não apenas questiona a legalidade do decreto, mas também aponta para sua inconstitucionalidade. O órgão destaca que a norma municipal contraria diversos dispositivos da Constituição Federal, que garante o direito à alimentação como um direito social fundamental. Além disso, o decreto se choca com tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC). Este pacto reconhece o direito de todas as pessoas a um padrão de vida adequado para si e para sua família, incluindo alimentação, vestuário e moradia, e à melhoria contínua de suas condições de vida. Tais acordos internacionais têm força de lei no ordenamento jurídico brasileiro, reforçando a visão do MPSC de que a restrição imposta pelo decreto é inválida.
A Promotoria também sublinha que o decreto municipal ignora as políticas públicas nacionais estabelecidas para a população em situação de rua, as quais buscam justamente facilitar o acesso a serviços e à alimentação, não restringi-los. Adicionalmente, o MPSC citou leis federais que visam incentivar a doação direta de alimentos, como a Lei n. 14.016/2020 e a Lei n. 15.224. A Lei n. 14.016/2020, por exemplo, dispõe sobre o combate ao desperdício de alimentos e o incentivo à doação, permitindo a doação de excedentes diretamente a quem precisa, desde que em condições sanitárias adequadas. Ao criar barreiras burocráticas e locacionais, o decreto de Florianópolis vai na contramão desses esforços federais para combater a insegurança alimentar e promover a assistência social.
Sanções Indevidas e o Princípio da Proporcionalidade
Um dos pontos mais criticados pelo MPSC é a previsão de sanções administrativas contidas no decreto, que incluem multas e apreensões de materiais. Para o Ministério Público, a aplicação dessas penalidades equipara a doação voluntária de alimentos a um ilícito, sem que haja respaldo legal para tal criminalização da solidariedade. Essa medida, além de não encontrar amparo na legislação vigente, viola o princípio da proporcionalidade, que exige que as ações do poder público sejam razoáveis e adequadas aos fins que se propõem, sem impor restrições excessivas ou desnecessárias.
Durante uma série de reuniões promovidas com representantes da sociedade civil organizada e grupos de voluntários, foram relatados diversos constrangimentos e abordagens ostensivas por parte da Guarda Municipal durante o ato de entrega de alimentos. Esses relatos indicam que a fiscalização tem sido aplicada de maneira a desestimular a ação voluntária, gerando medo e desconfiança entre aqueles que se dedicam a ajudar. Os voluntários também expressaram grandes dificuldades logísticas e financeiras para cumprir as exigências do decreto, como a necessidade de deslocamento para os PDOs e a adaptação de seus métodos de distribuição. É importante notar que, segundo o próprio MPSC, não há registros de quaisquer danos à saúde pública decorrentes da distribuição de marmitas pelos grupos voluntários, o que questiona a real necessidade de medidas tão restritivas sob o pretexto da segurança sanitária.
Próximos Passos e a Busca por Resolução
A recomendação do MPSC foi expedida em 27 de outubro de 2025 e estabeleceu um prazo de 30 dias para que a Prefeitura de Florianópolis informe oficialmente se acatará a orientação de revogar o decreto. O Ministério Público reforça que seu principal objetivo é resolver a questão de forma extrajudicial, priorizando o diálogo e a construção de soluções que protejam efetivamente os direitos da população em situação de vulnerabilidade social. Essa abordagem busca evitar um litígio prolongado, buscando uma resolução mais célere e eficaz para todos os envolvidos.
Paralelamente à recomendação, a Promotoria se manifestou favoravelmente à concessão de uma medida liminar que suspenderia os efeitos do decreto. Esta liminar foi solicitada no âmbito de uma ação popular ajuizada por agentes políticos e ativistas sociais que contestam a legalidade e a constitucionalidade do Programa Marmita Legal. A suspensão provisória do decreto permitiria que as doações de alimentos continuassem sem as restrições impostas, até que o mérito da ação seja julgado de forma definitiva. Este apoio do MPSC à ação popular demonstra a seriedade com que o órgão trata a questão e sua convicção sobre a inadequação da legislação municipal.
O Posicionamento da Prefeitura de Florianópolis
Em contraponto à posição do Ministério Público, a Prefeitura de Florianópolis reafirma que o Programa Marmita Legal continua em pleno vigor. A administração municipal defende que o principal objetivo do decreto é garantir a segurança sanitária dos alimentos que são distribuídos, bem como promover a organização dos espaços públicos da cidade. Segundo a Prefeitura, essas medidas são cruciais para evitar problemas de saúde pública e para manter a ordem nas áreas de grande circulação.
Os Pontos de Distribuição Organizados (PDOs) são descritos pela gestão municipal como áreas designadas que contam com infraestrutura mínima essencial. Essa infraestrutura inclui, por exemplo, acesso à água potável e locais apropriados para o descarte adequado de resíduos, visando assegurar condições higiênicas tanto para quem doa quanto para quem recebe os alimentos. A Prefeitura argumenta que esses pontos são necessários para um controle mais eficaz e para evitar acúmulo de lixo ou situações insalubres em outros locais.
Ainda de acordo com a administração municipal, as pessoas em situação de rua em Florianópolis têm acesso a serviços e alimentação na Passarela da Cidadania. Este local é apresentado como um espaço onde são oferecidos diversos serviços públicos de assistência social e saúde, incluindo, presumivelmente, refeições. A Prefeitura incentiva grupos e organizações voluntárias a participarem do programa mediante cadastro prévio na Fundação Rede Solidária Somar Floripa. Uma vez cadastrados, esses grupos podem realizar a distribuição de alimentos tanto em suas próprias sedes, quanto na Passarela da Cidadania, ou em outros pontos previamente estabelecidos, como salões comunitários.
A nota oficial da Prefeitura de Florianópolis reforça esses pontos:
A Prefeitura de Florianópolis explica que o decreto que institui o Programa Marmita Legal continua em vigor. O objetivo é garantir a segurança sanitária dos alimentos e a melhor organização dos espaços públicos. As pessoas em situação de rua podem se alimentar na Passarela da Cidadania, onde há acesso a diversos serviços públicos de assistência social e saúde.
O decreto estabelece os Pontos de Distribuição Organizados (PDOs), áreas designadas pela Prefeitura com infraestrutura mínima, como acesso à água e descarte adequado de resíduos. As organizações e grupos voluntários interessados em participar devem se cadastrar na Fundação Rede Solidária Somar Floripa e podem fazer a distribuição de alimentos em suas sedes, na passarela da cidadania, e em outros pontos da cidade, como salões comunitários.
Perspectivas e Desdobramentos
A situação em Florianópolis segue em análise e levanta um debate importante sobre a atuação do poder público na regulamentação de ações sociais e humanitárias. De um lado, a preocupação com a saúde pública e a organização urbana; do outro, a defesa dos direitos fundamentais e a facilitação da solidariedade. A decisão da Prefeitura sobre a recomendação do MPSC nos próximos dias será crucial para definir os rumos do Programa Marmita Legal e, consequentemente, o acesso à alimentação para a população em situação de rua da capital catarinense. A comunidade, os voluntários e as instituições permanecem atentos aos desdobramentos dessa questão que toca em temas sensíveis como a dignidade humana e o papel da sociedade civil na assistência aos mais vulneráveis.