Mounjaro Aprovado pela Anvisa para Tratamento de Apneia Obstrutiva do Sono

Mounjaro Aprovado pela Anvisa para Tratamento de Apneia Obstrutiva do Sono

Karime Xavier/Folhapress

Mounjaro Aprovado pela Anvisa: Uma Nova Esperança para o Tratamento da Apneia do Sono e Obesidade

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) marcou um avanço significativo na medicina do sono ao aprovar, na última segunda-feira, 20 de maio, o uso do medicamento Mounjaro (tirzepatida) para o tratamento da apneia obstrutiva do sono (AOS) moderada e grave em indivíduos com obesidade. Esta decisão representa um marco, pois a tirzepatida se torna a primeira opção farmacológica disponível no Brasil especificamente para combater essa condição crônica debilitante.

Anteriormente reconhecido e aprovado para o manejo do diabetes tipo 2 e, mais recentemente, para o tratamento da obesidade, o Mounjaro agora oferece uma nova perspectiva para milhões de brasileiros. Estima-se que a AOS afete cerca de 50 milhões de pessoas no país, conforme dados de 2019 publicados na respeitada revista The Lancet Respiratory Medicine, tornando a necessidade de tratamentos eficazes ainda mais urgente.

Compreendendo a Apneia Obstrutiva do Sono (AOS)

A apneia obstrutiva do sono é um distúrbio complexo caracterizado por interrupções repetidas e involuntárias da respiração durante o sono. Essas pausas respiratórias, ou apneias, ocorrem quando as vias aéreas superiores, especificamente a região da faringe, se estreitam ou se fecham completamente. Conforme explica Edilson Zancanella, coordenador do Conselho de Administração da Academia Brasileira do Sono (ABS) e membro do Conselho de Governo da Sociedade Mundial de Sono, esse estreitamento é frequentemente desencadeado pela mudança de posição da língua e de sua estrutura de suporte quando a pessoa deita.

Durante esses episódios de apneia, o corpo humano enfrenta uma queda abrupta e significativa nos níveis de oxigenação. “Para o corpo, isso é algo extremamente danoso porque a falta de oxigênio faz com que ele não funcione bem. As células deixam de atuar de forma adequada, o cérebro também passa a não funcionar corretamente, e vários alarmes são disparados no organismo para que a gente volte a respirar”, detalha Zancanella. Essas interrupções frequentes e a subsequente reativação da respiração fragmentam o sono, comprometendo profundamente sua qualidade e suas funções reparadoras.

Impacto da AOS na Saúde e Qualidade de Vida

As consequências da apneia do sono vão muito além de um simples ronco alto ou cansaço matinal. A fragmentação constante do sono impede que o corpo e a mente realizem funções essenciais para a saúde. Funções vitais como a consolidação da memória, a capacidade de concentração, o controle da liberação hormonal e a recuperação física são gravemente afetadas. O resultado é uma série de sintomas diurnos, incluindo sonolência excessiva, irritabilidade, dificuldade de aprendizado e diminuição da produtividade.

Além disso, os “alarmes” que o organismo dispara para restaurar a respiração, como picos de adrenalina, podem ter efeitos sistêmicos devastadores. Eles levam a um aumento do batimento cardíaco e da pressão arterial, elevando consideravelmente o risco de condições cardiovasculares graves, como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC). A AOS também tem sido associada a outros problemas de saúde crônicos, incluindo diabetes, resistência à insulina, doenças metabólicas e até mesmo problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade. A condição, portanto, não apenas afeta a qualidade de vida, mas também pode encurtar a expectativa de vida e comprometer seriamente a saúde a longo prazo.

A Obesidade como Fator Chave na Apneia Obstrutiva do Sono

A relação entre a obesidade e a AOS é amplamente reconhecida e foi um dos focos da pesquisa que levou à aprovação do Mounjaro. Conforme destaca Erika Treptow, pneumologista especializada em medicina do sono do Instituto do Sono, os mais afetados pela AOS são frequentemente homens acima dos 40 anos, e a obesidade, juntamente com o sobrepeso, figura entre os principais fatores de risco.

“Existem vários motivos para isso acontecer. Um deles é o acúmulo de gordura na musculatura e na região cervical, na parte do pescoço, além da gordura visceral e abdominal, que prejudica o bom funcionamento da respiração durante o sono. A obesidade também pode interferir no controle da ventilação durante o sono”, comenta a médica. O excesso de tecido adiposo no pescoço pode comprimir as vias aéreas superiores, tornando-as mais propensas ao colapso durante o relaxamento muscular que ocorre no sono. Além disso, a gordura abdominal elevada pode dificultar a expansão do diafragma e dos pulmões, exigindo um maior esforço respiratório e aumentando a probabilidade de apneias. A própria fisiologia da obesidade, que envolve inflamação sistêmica e alterações hormonais, pode afetar os centros de controle respiratório no cérebro.

Tratamentos Tradicionais para AOS e Seus Desafios

Historicamente, o tratamento da apneia obstrutiva do sono tem se apoiado em abordagens não farmacológicas. A terapia com pressão positiva nas vias aéreas (CPAP – Continuous Positive Airway Pressure) é considerada o padrão ouro. O CPAP funciona entregando um fluxo contínuo de ar pressurizado através de uma máscara, mantendo as vias aéreas abertas e prevenindo o colapso. Embora altamente eficaz, a adesão ao CPAP pode ser um desafio para muitos pacientes devido ao desconforto da máscara, ruído do aparelho ou claustrofobia.

Outras opções incluem fonoterapia, que visa fortalecer a musculatura da faringe, e cirurgias que buscam remover tecidos obstrutivos ou reposicionar estruturas anatômicas. No entanto, essas opções nem sempre são adequadas ou suficientes para todos os pacientes, e a busca por alternativas mais acessíveis e bem toleradas tem sido constante.

Mounjaro e o Estudo SURMOUNT-OSA: Uma Nova Abordagem

A decisão da Anvisa de aprovar o Mounjaro para a AOS foi solidamente fundamentada nos resultados promissores do estudo clínico de fase 3, conhecido como SURMOUNT-OSA. Este estudo, inovador e abrangente, avaliou a eficácia da tirzepatida tanto em pacientes que já utilizavam aparelhos de CPAP quanto naqueles que não o faziam.

O SURMOUNT-OSA demonstrou que o Mounjaro reduziu de forma significativa as interrupções respiratórias durante o sono, medida pelo Índice de Apneia-Hipopneia (IAH). No início da pesquisa, os participantes apresentavam uma média de cerca de 50 interrupções por hora, um indicador de AOS grave. Após um ano de tratamento:

  • O grupo que utilizou Mounjaro em associação com o CPAP apresentou cerca de 29,3 eventos a menos por hora, em comparação com apenas 5,5 eventos a menos no grupo placebo + CPAP.
  • O grupo que utilizou apenas Mounjaro (sem CPAP) apresentou uma média de 25,3 interrupções a menos por hora, contra 5,3 eventos a menos no grupo placebo.

Esses resultados são clinicamente impactantes, indicando uma melhora substancial na gravidade da apneia. Além da redução das interrupções, o estudo revelou taxas notáveis de remissão ou transformação da doença para um estado mais leve. Após um ano de uso:

  • 42% dos pacientes tratados com Mounjaro (sem CPAP) apresentaram remissão ou casos leves da doença.
  • 50% dos que usaram Mounjaro junto ao CPAP atingiram a remissão ou leveza da doença.
  • Em contraste, os grupos placebo registraram apenas 16% e 14%, respectivamente, nessas categorias de melhora.

Um dos aspectos mais relevantes do tratamento com Mounjaro é sua capacidade de promover uma significativa perda de peso, um fator diretamente ligado à etiologia da AOS. Os participantes que usaram apenas Mounjaro perderam, em média, 20,4 kg (equivalente a 18% do peso corporal inicial), enquanto aqueles que associaram o uso ao CPAP perderam 22,7 kg (20% do peso corporal). Essa perda de peso substancial contribui para a desobstrução das vias aéreas e melhora geral da fisiologia respiratória.

A pesquisa seguiu um rigoroso protocolo multicêntrico e duplo-cego, envolvendo 469 participantes de diversos países, incluindo EUA, Austrália, Brasil, China, Alemanha e México, o que confere robustez e validade externa aos seus achados.

O Impacto e as Perspectivas Futuras

Para a Dra. Erika Treptow, a aprovação do Mounjaro representa um avanço inquestionável na medicina do sono. “Nos últimos anos, foram feitas múltiplas pesquisas com diversos tipos de medicamentos para auxiliar na apneia obstrutiva do sono”, lembra. “E o estudo que mostrou a efetividade foi muito bem desenhado por pesquisadores de renome mundial e foi publicado pelo The New England Journal of Medicine, que é extremamente significativo.” A publicação em um dos periódicos médicos mais prestigiados do mundo atesta a credibilidade e a relevância científica dos resultados.

A chegada de uma opção farmacológica como a tirzepatida pode transformar a forma como a apneia obstrutiva do sono é abordada e tratada, especialmente em pacientes com obesidade. Para aqueles que não conseguem se adaptar ao CPAP ou que buscam uma alternativa complementar, o Mounjaro oferece uma nova e promissora via. Além de aliviar os sintomas da AOS, o benefício adicional da perda de peso atua diretamente na causa raiz da doença para muitos, melhorando não apenas o sono, mas também a saúde metabólica e cardiovascular de forma abrangente.

A aprovação do Mounjaro pela Anvisa não é apenas uma notícia positiva para a indústria farmacêutica, mas uma verdadeira nova esperança para milhões de pessoas que sofrem com a apneia do sono e seus impactos diários, promovendo uma melhor qualidade de vida e reduzindo os riscos associados a esta condição crônica. É crucial, contudo, que o tratamento seja sempre acompanhado por um profissional de saúde qualificado, que poderá avaliar a indicação correta e o acompanhamento necessário para cada paciente.

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