Lewandowski Detalha Condições para Operação de GLO no Rio e Reforça Papel Estadual
Após uma intensa operação de combate ao crime organizado que sacudiu o estado do Rio de Janeiro, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, veio a público nesta quarta-feira (29) para esclarecer os parâmetros e a natureza de uma eventual atuação das Forças Armadas em missões de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O ministro enfatizou que a ativação de uma GLO é um processo de alta complexidade e que sua efetivação depende, de forma mandatórias, de um pedido formal por parte do governo estadual, atualmente sob a gestão de Cláudio Castro (PL).
A declaração de Lewandowski, proferida após um encontro estratégico no Palácio da Alvorada, ressaltou a autonomia federativa e a necessidade de uma solicitação explícita por parte do chefe do executivo estadual. “A operação de GLO, que diz respeito à garantia da lei e da ordem, primeiro tem que ser requerida formalmente pelo governador [Cláudio Castro]. Não é uma ação espontânea do governo federal ou do presidente da República”, afirmou o ministro, sublinhando que a iniciativa para tal medida extraordinária não pode partir unilateralmente da União.
Entendendo a GLO: Uma Medida Excepcional de Segurança
A Garantia da Lei e da Ordem (GLO) é um instrumento constitucional previsto para situações de esgotamento das forças de segurança pública estaduais, onde a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio estão ameaçadas e as forças tradicionais (polícias civis e militares) já não conseguem restabelecer o controle. Nessas circunstâncias, a Constituição Federal, em seu artigo 142, permite a atuação das Forças Armadas – Exército, Marinha e Aeronáutica – em caráter subsidiário e temporário. A regulamentação para essa intervenção é dada pela Lei Complementar nº 97/99.
A natureza da GLO como uma medida excepcional e temporária é crucial. Sua ativação não substitui, mas sim apoia as forças de segurança estaduais, e a duração da missão é sempre determinada e limitada. Os militares, neste contexto, passam a ter poder de polícia, realizando patrulhamento, revistas e prisões, o que confere a essas operações um caráter bastante distinto das ações de defesa nacional. É precisamente essa atribuição de poder de polícia a militares que torna as operações de GLO tão delicadas e “complexas”, como mencionou o ministro Lewandowski.
A Complexidade por Trás da Decisão
A expressão “complexo” utilizada pelo ministro Lewandowski não é meramente retórica. A decisão de acionar uma GLO envolve uma série de fatores interligados: logísticos, jurídicos, políticos e sociais. Do ponto de vista logístico, o deslocamento e a manutenção de tropas em ambiente urbano exigem um planejamento meticuloso, desde o suprimento de equipamentos e alimentação até a coordenação de inteligência e logística com as forças de segurança locais. A interoperabilidade entre as Forças Armadas e as polícias estaduais é um desafio que exige treinamento e comunicação eficazes para evitar falhas ou atritos.
Juridicamente, a atuação das Forças Armadas em áreas civis levanta importantes discussões sobre os limites da ação militar e a preservação dos direitos humanos. Embora os militares passem a exercer poder de polícia, sua doutrina e treinamento são voltados para a defesa nacional, e não para o policiamento ostensivo em áreas urbanas. Isso pode levar a situações delicadas e à necessidade de rigoroso acompanhamento e controle. Politicamente, a GLO pode ser interpretada tanto como um sinal de força do governo quanto como um reconhecimento da fragilidade da segurança pública local, gerando debates e pressões tanto a nível estadual quanto federal.
Socialmente, a presença de militares fortemente armados em comunidades e favelas pode gerar diferentes reações, desde alívio por parte de setores da população que clamam por segurança até receio e tensão em áreas historicamente marcadas por conflitos e abusos. A experiência de GLOs anteriores em diversas partes do Brasil demonstra que, embora possam trazer um alívio temporário à violência, elas raramente solucionam as causas estruturais da criminalidade, que demandam políticas públicas de longo prazo e investimento social.
O Papel do Governo Estadual e a Autonomia Federativa
A exigência de que a GLO seja “requerida formalmente pelo governador” é um pilar da autonomia dos estados dentro do pacto federativo brasileiro. A segurança pública é, primariamente, uma responsabilidade dos estados. O governo federal atua de forma subsidiária e complementar, principalmente em situações que extrapolam a capacidade local ou que envolvem crimes de caráter transnacional. Ao enfatizar a necessidade do pedido formal, Lewandowski reitora que a União não pode intervir sem a anuência e a solicitação explícita do poder estadual. Isso evita que o governo federal seja percebido como um interventor desnecessário ou que desrespeite a soberania local, ao mesmo tempo em que coloca a responsabilidade da decisão de acionar tal medida nas mãos do governador.
A ausência de um pedido formal impede o acionamento da GLO, mesmo diante de um cenário de alta criminalidade. Essa prerrogativa do chefe do executivo estadual é fundamental para a gestão da crise, pois ele é quem possui o conhecimento mais aprofundado da situação local e das necessidades de suas forças de segurança. A decisão de solicitar uma GLO é, portanto, uma avaliação estratégica que pondera os benefícios e os custos de uma intervenção militar federal, incluindo o impacto na imagem da gestão e as possíveis consequências para a população.
A Reunião no Palácio da Alvorada: Articulação e Estratégia
O encontro no Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, evidencia a importância do tema e a articulação necessária entre diferentes esferas do governo federal diante de desafios complexos como a segurança pública no Rio de Janeiro. A presença de um quadro ministerial tão diversificado aponta para uma discussão que transcende a mera questão operacional e abrange aspectos políticos, sociais e de comunicação.
Participaram do encontro figuras-chave da administração federal, indicando a abrangência da pauta e a busca por uma visão integrada:
- Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, cuja presença reforça o caráter estratégico da reunião, dada sua posição de coordenação política.
- Gleisi Hoffmann, ministra de Relações Exteriores, que pode ter contribuído com perspectivas sobre a imagem internacional do Brasil e eventuais impactos de crises de segurança.
- Sidônio Palmeira, ministro da Secretaria de Comunicação Social, cuja participação é crucial para a gestão da narrativa e a comunicação oficial sobre as ações de segurança.
- Rui Costa, ministro da Casa Civil, responsável pela articulação e coordenação das ações governamentais, sua presença é vital para a tramitação de quaisquer decisões ou propostas.
- Macaé Evaristo, ministra dos Direitos Humanos, fundamental para assegurar que qualquer ação de segurança seja conduzida dentro dos preceitos dos direitos humanos, minimizando riscos de violações.
- Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, cujo envolvimento ressalta a preocupação com o impacto desproporcional da violência e das operações de segurança em comunidades vulneráveis e predominantemente negras.
- Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça e Segurança Pública, o principal porta-voz do tema e articulador das políticas de segurança federais.
- Andrei Rodrigues, diretor-geral da Polícia Federal, cujo papel é essencial na coordenação da inteligência e das operações conjuntas entre as forças federais e estaduais.
A presença conjunta desses ministros e do diretor-geral da PF sugere que a discussão não se limitou apenas à possibilidade de uma GLO, mas abordou a situação de segurança do Rio de Janeiro de forma mais ampla, incluindo estratégias de longo prazo, coordenação entre as polícias, e o impacto das operações em diversas esferas sociais. A articulação entre Justiça e Segurança Pública, Direitos Humanos, Igualdade Racial e Comunicação é um indicativo de que o governo busca uma abordagem multifacetada para crises de segurança, que vá além da resposta meramente repressiva.
O Cenário do Rio de Janeiro e as Perspectivas Futuras
O Rio de Janeiro enfrenta há décadas um desafio persistente e complexo com o crime organizado, com facções criminosas e milícias disputando territórios e controlando atividades ilegais. As megaoperações, como a mencionada no início, são respostas pontuais a esse cenário, mas a necessidade de uma GLO sinaliza que a capacidade de resposta do estado pode estar sendo testada ao limite. A fala de Lewandowski coloca a bola no campo do governo estadual, que terá de avaliar se o quadro atual justifica ou exige o acionamento de uma medida tão drástica.
A decisão de solicitar uma GLO não é simples e implica um reconhecimento da insuficiência das próprias forças estaduais para lidar com a situação. Contudo, é também uma ferramenta legítima à disposição dos governadores em momentos de grave crise. O futuro das ações de segurança no Rio de Janeiro dependerá, em grande parte, dessa avaliação e da capacidade de articulação entre os níveis federal e estadual para implementar estratégias coordenadas e eficazes que busquem tanto a repressão ao crime quanto a promoção de um ambiente de paz e justiça social.