Lula Propõe Doutrina contra Grosserias de Futuros Presidentes sem Mencionar Trump

Lula Defende Doutrina Latino-Americana por Independência e Dignidade Regional

O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, fez um apelo contundente pela construção de uma “doutrina” que una professores e estudantes latino-americanos. Em um evento vibrante em São Bernardo do Campo (SP) no último sábado, 18, o líder brasileiro enfatizou a necessidade de a América do Sul alcançar sua plena independência, garantindo que “nunca mais um presidente de outro país ouse falar grosso com o Brasil”. A declaração, que reverberou fortemente entre a audiência, sublinha uma visão ambiciosa para o futuro da região e a postura do Brasil no cenário internacional.

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Foto: Reprodução

Embora não tenha mencionado nomes diretamente, a fala de Lula remeteu a um contexto diplomático recente. Ele fez uma alusão ao ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com quem, segundo o presidente brasileiro, havia surgido uma “química” após um encontro na Assembleia Geral da ONU. Esse episódio marcou o início de uma aproximação entre os governos, visando negociar a revogação de tarifas impostas às exportações brasileiras. A possibilidade de um novo encontro entre os dois mandatários até o final do ano segue em pauta, evidenciando a complexidade das relações internacionais e a busca do Brasil por uma posição de maior autonomia.

O Palco da Declaração: Um Aulão para o Futuro

O cenário para estas declarações foi um “aulão” com cursinhos populares, realizado em São Bernardo do Campo, cidade que simboliza o início da trajetória política de Lula, no Sindicato dos Metalúrgicos. O evento reuniu milhares de estudantes no ginásio poliesportivo Adib Moysés Dib, onde o presidente foi recebido calorosamente, acompanhado pelos ministros da Educação, Camilo Santana, e da Fazenda, Fernando Haddad. Os gritos de “sem anistia” e o apoio efusivo à educação popular ecoaram pelo local, demonstrando o engajamento da juventude presente.

A fala de Lula sobre a necessidade de uma “doutrina latino-americana” surgiu enquanto ele discursava sobre as universidades criadas durante seus governos anteriores. Em particular, a menção à Universidade de Integração Latino-Americana (UNILA), em Foz do Iguaçu (PR), serviu de gancho para a defesa de uma maior autonomia regional.

“A gente quer formar uma doutrina latino-americana, com professores latino-americanos, com estudantes latino-americanos, para que a gente possa sonhar que esse continente um dia vai ser independente e que nunca mais um presidente de outro país ouse falar grosso com o Brasil porque a gente não vai aceitar”, declarou Lula, sendo ovacionado pelos alunos. “Não é uma questão de coragem, é uma questão de dignidade e de caráter. Dignidade e caráter vocês não comprarão em shopping, free shop. É o pai e a mãe de vocês que deram a dignidade e o caráter para definir o que a gente é”, completou o presidente, enfatizando valores intrínsecos e a importância da formação pessoal.

A atmosfera do evento era de grande expectativa. Embora programado para começar às 10h30, o “aulão” teve um atraso de aproximadamente 30 minutos. Nesse ínterim, uma professora engajava os alunos, organizando o público nas arquibancadas e ensaiando cânticos, palavras de ordem e até uma “ola” para a chegada do presidente. Esse preparo prévio ressaltou o caráter político e motivacional do encontro, que transcendeu a mera aula.

Um dos momentos marcantes foi o levantamento de uma faixa pelos alunos, que pedia a Lula a indicação de uma mulher negra para o Supremo Tribunal Federal (STF). A demanda reflete um anseio por maior representatividade nas mais altas instâncias do poder judiciário. No entanto, a discussão atual sobre a vaga no STF aponta para outros nomes, como o advogado-geral da União, Jorge Messias, o senador Rodrigo Pacheco (PSD) e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas.

Críticas à Classe Política e Incentivo à Participação Jovem

Durante seu discurso, Lula não poupou críticas à classe política, incentivando os jovens a se engajarem ativamente na vida pública. Aproveitou a oportunidade para reforçar sua insatisfação com a aprovação da chamada PEC da Blindagem pela Câmara dos Deputados, uma proposta controversa que, felizmente, foi posteriormente rejeitada pelo Senado. O presidente já havia expressado, ao longo da semana, que o Congresso nunca esteve em um nível tão baixo.

Seu apelo aos estudantes foi direto e inspirador:

“Se eu cheguei [à Presidência], vocês também podem chegar”, disse ele. “Vocês não podem desanimar. Quando vocês perceberem que a classe política não representa vocês, pelo amor de Deus, não desanimem. Quando vocês verem que a classe política está querendo aprovar uma lei que garanta impunidade para ladrão, não desistam. O político bom está dentro de vocês, não dentro deles”, afirmou Lula, buscando despertar o senso crítico e o potencial de liderança na juventude.

O presidente também fez um anúncio significativo: a intenção de universalizar o programa Pé-de-Meia para todos os estudantes do ensino médio. Este programa, que visa oferecer um incentivo financeiro para a permanência dos alunos na escola, é uma aposta do governo na educação. Lula antecipou as críticas que virão do mercado financeiro, especialmente da “Faria Lima”, mas defendeu a iniciativa como um investimento essencial:

“Eles vão brigar com a gente, os banqueiros vão reclamar ‘nossa, esse governo está gastando R$ 13 bilhões, poderia estar aqui na Faria Lima pra gente ganhar mais dinheiro’. Gastando a gente estaria se o dinheiro fosse pra eles, nós estamos é investindo na nossa juventude”, declarou, traçando um claro contraste entre a lógica de lucro e o investimento social.

Antes da fala de Lula, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também discursou, reforçando o lema do governo: “colocar o pobre no orçamento e o rico no imposto de renda“. Haddad enfatizou a necessidade de uma maior contribuição por parte dos setores mais abastados da sociedade para o financiamento de políticas públicas, buscando uma distribuição de renda mais equitativa.

Acesso ao Ensino Superior e o Apoio aos Cursinhos Populares

Haddad foi ainda mais longe ao comparar a reserva de 50% das vagas universitárias para alunos de escolas públicas a uma “reforma agrária” no campo da educação. Essa comparação ressalta a profundidade do impacto social que a política de cotas representa, abrindo portas do ensino superior para milhões de jovens que, de outra forma, teriam dificuldades intransponíveis de acesso. É uma medida que visa corrigir desigualdades históricas e promover a mobilidade social através do conhecimento.

O ministro da Educação, Camilo Santana, por sua vez, anunciou a intenção de expandir significativamente o apoio financeiro à Rede Nacional de Cursinhos Populares (CPOP). Instituída pelo MEC no início do ano, a CPOP tem como objetivo democratizar o acesso ao ensino superior, oferecendo preparatórios de qualidade para estudantes de baixa renda.

Os números apresentados por Santana são ambiciosos:

  • Para até o final de 2025, a previsão é repassar R$ 74 milhões, beneficiando 384 cursinhos populares espalhados pelo país.
  • Para 2026, o edital prevê um aporte ainda maior, chegando a R$ 108 milhões, com a expectativa de contemplar até 500 cursinhos.

Este investimento robusto na CPOP demonstra o compromisso do governo em fortalecer as bases da educação e garantir que mais jovens tenham a oportunidade de competir em igualdade de condições no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que está marcado para novembro.

O evento em São Bernardo do Campo, embora com um forte viés político, manteve sua essência educativa. Antes da chegada de Lula, os alunos participaram de uma rápida aula de Física. Após a saída do presidente, uma aula de Redação foi iniciada, embora uma parte considerável dos estudantes já tivesse se retirado. O foco no Enem, um dos principais portais para o ensino superior no Brasil, sublinhou a pertinência do encontro para a jornada acadêmica desses jovens.

Em síntese, as declarações e anúncios feitos durante o “aulão” em São Bernardo do Campo delineiam uma visão governamental que prioriza a soberania regional, o investimento na educação como pilar do desenvolvimento e a busca por maior equidade social e política. A mensagem de Lula aos estudantes foi clara: o futuro do Brasil e da América Latina depende da participação ativa e consciente da juventude na construção de um continente mais justo, independente e digno.