Energisa na Paraíba: Justiça Determina Devolução em Dobro de ICMS Cobrado Indevidamente em Energia Solar
A Justiça da Paraíba proferiu uma decisão significativa que impacta diretamente os consumidores de energia solar no estado. A 4ª Vara Cível de João Pessoa determinou que a concessionária Energisa Paraíba deverá restituir em dobro todos os valores de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) que foram cobrados indevidamente nas contas de energia solar, abrangendo o período de setembro de 2017 a junho de 2021. Além da obrigatoriedade de ressarcimento, a decisão estabelece uma proibição expressa para que a empresa não volte a efetuar tais cobranças, e ainda fixa uma indenização por danos morais coletivos no montante de R$ 50 mil, a ser direcionada ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor.
Essa sentença é um marco importante na defesa dos direitos dos consumidores que investem em geração distribuída, especialmente a energia solar fotovoltaica. Ela reforça a jurisprudência que questiona a legalidade da tributação sobre a energia injetada na rede, prática que vinha sendo alvo de contestação por parte de órgãos de defesa do consumidor e entidades do setor de energias renováveis. A ação judicial foi movida pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB), que identificou e denunciou as irregularidades nas práticas de cobrança da concessionária. A Energisa, por sua vez, informou que, ao ser notificada oficialmente da decisão, fará uma análise detalhada para avaliar as medidas jurídicas cabíveis, indicando a possibilidade de recurso.
A Controvérsia do ICMS na Geração Distribuída de Energia Solar
O cerne da questão reside na interpretação e aplicação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no contexto da geração distribuída de energia solar. Para entender a complexidade, é fundamental compreender como funciona o sistema de compensação de energia. No Brasil, o modelo predominante para a micro e minigeração distribuída é o de net metering, regulamentado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Nele, o consumidor que gera sua própria energia (por exemplo, através de painéis solares) e injeta o excedente na rede da distribuidora recebe créditos de energia, que podem ser utilizados para abater o consumo em outros momentos ou em outras unidades consumidoras sob a mesma titularidade.
O debate surgiu quando algumas concessionárias, incluindo a Energisa na Paraíba, passaram a incidir o ICMS sobre essa energia injetada na rede e posteriormente compensada. O argumento dos consumidores e do Ministério Público é que essa prática configura uma cobrança indevida, uma vez que a energia injetada e compensada não se caracteriza como uma “operação de circulação de mercadoria” passível de tributação pelo ICMS. Em essência, a energia gerada para consumo próprio e o excedente que retorna à rede para futura compensação não deveriam ser tratados como uma venda ou uma aquisição de energia para fins de incidência do imposto.
Contexto Legal e Tributário
A discussão sobre a incidência de ICMS na geração distribuída ganhou destaque nacional após a edição do Convênio ICMS 16/2015 pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz). Este convênio autorizou os estados e o Distrito Federal a concederem isenção do ICMS sobre a energia elétrica fornecida pela distribuidora à unidade consumidora, na quantidade correspondente à energia injetada na rede por essa mesma unidade. No entanto, a adesão a esse convênio e a forma como cada estado o implementou geraram diferentes cenários e interpretações.
Na Paraíba, a controvérsia persistiu, levando o Ministério Público a questionar a forma como a Energisa estava aplicando o imposto. A essência do problema era a tributação sobre o que é conhecido como “tarifa de uso do sistema de distribuição” (TUSD) e “tarifa de energia” (TE) incidentes sobre a parcela compensada da energia. Para o MPPB, essas cobranças desvirtuavam o incentivo à geração distribuída e onerações indevidamente os consumidores que investiam em sustentabilidade.
A Atuação Vigilante do Ministério Público da Paraíba
A iniciativa de judicializar a questão partiu do Ministério Público da Paraíba (MPPB), que tem como uma de suas funções primordiais a defesa dos interesses difusos e coletivos da sociedade. Ao receber denúncias e identificar uma prática que poderia lesar um grande número de consumidores, o MPPB instaurou um inquérito civil para apurar a conduta da Energisa.
A atuação do Ministério Público é crucial nesses casos, pois permite que os consumidores, que muitas vezes não têm os recursos ou o conhecimento jurídico para enfrentar individualmente uma grande concessionária, tenham seus direitos defendidos por um órgão independente e com poder para ingressar com ações civis públicas. A ação civil pública é um instrumento jurídico que visa proteger direitos coletivos, garantindo que a decisão judicial, se favorável, beneficie a totalidade dos lesados pela mesma prática. A investigação do MPPB reuniu as evidências necessárias para demonstrar que as cobranças de ICMS sobre a energia solar compensada eram de fato irregulares e lesivas aos consumidores paraibanos.
Os Efeitos da Sentença: Devolução em Dobro e Danos Morais Coletivos
A decisão da 4ª Vara Cível de João Pessoa vai além da mera interrupção das cobranças indevidas. Ela determina a **devolução em dobro** dos valores cobrados de ICMS no período de setembro de 2017 a junho de 2021. A previsão de devolução em dobro tem base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que em seu artigo 42, parágrafo único, estabelece que “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.” A determinação judicial de devolução em dobro sinaliza que a prática da concessionária não foi considerada um “engano justificável”, mas sim uma cobrança irregular que merece a sanção mais rigorosa prevista na legislação consumerista.
Além disso, a condenação inclui o pagamento de R$ 50 mil por **danos morais coletivos**. Essa modalidade de indenização não visa compensar o sofrimento individual de cada consumidor, mas sim punir a empresa por uma conduta que causou um dano à coletividade, ou seja, à imagem e à confiança que os consumidores depositam nas relações de consumo. O valor será destinado ao Fundo Estadual de Defesa do Consumidor, um mecanismo que reverte os recursos de condenações por danos coletivos para ações e projetos que beneficiam a proteção e a educação do consumidor em geral. Essa medida serve como um desestímulo a futuras práticas abusivas por parte de grandes empresas.
O Posicionamento da Energisa e os Próximos Passos
A Energisa Paraíba, ao tomar ciência da decisão, manifestou que irá aguardar a notificação oficial para, então, proceder à análise das “medidas jurídicas cabíveis”. Essa declaração é um procedimento padrão em casos de condenações judiciais, e geralmente indica que a empresa tem a intenção de recorrer da sentença. No sistema jurídico brasileiro, decisões de primeira instância, como esta, são passíveis de recurso para instâncias superiores, como o Tribunal de Justiça do estado.
Um eventual recurso pode prolongar o processo judicial, retardando a implementação da devolução dos valores e a efetivação das outras determinações. No entanto, a existência de uma decisão favorável em primeira instância já representa um importante precedente e um forte indício de que a tese jurídica de cobrança indevida tem solidez. Consumidores e o setor de energia solar deverão acompanhar de perto os desdobramentos desse caso.
O Crescimento da Geração Distribuída e a Importância da Segurança Jurídica
O Brasil tem vivenciado um crescimento exponencial da geração distribuída, com a energia solar fotovoltaica liderando esse movimento. Milhares de consumidores, de residências a empresas, têm investido na instalação de painéis solares, buscando economia na conta de luz, sustentabilidade e autonomia energética. A Paraíba, com seu alto índice de irradiação solar, é um estado com grande potencial para a expansão dessa modalidade energética.
Para que esse crescimento continue e para que novos investimentos sejam atraídos, a segurança jurídica é fundamental. Decisões como a proferida pela Justiça da Paraíba contribuem para a clareza das regras e para a proteção dos investimentos dos consumidores. A incerteza regulatória e as cobranças questionáveis podem desestimular a adesão à energia solar, indo contra as metas de transição energética e de desenvolvimento sustentável do país.
O Marco Legal da Geração Distribuída e o Debate Regulatório
Em 2022, foi sancionada a Lei nº 14.300, conhecida como o Marco Legal da Geração Distribuída. Essa legislação trouxe maior segurança jurídica ao setor, estabelecendo um novo regramento para o sistema de compensação de energia elétrica. Contudo, é importante notar que a decisão da Paraíba se refere a um período anterior à plena vigência das novas regras da Lei 14.300/2022, especificamente de setembro de 2017 a junho de 2021. O novo marco legal, embora tenha alterado as condições futuras de compensação e tributação, não anula as discussões ou o direito à restituição de valores cobrados indevidamente no passado, sob as regras vigentes à época.
Ainda há um debate contínuo sobre a melhor forma de conciliar o incentivo à geração distribuída com a justa remuneração pelo uso da rede de distribuição. No entanto, a decisão judicial da Paraíba reforça o princípio de que qualquer cobrança deve ser clara, transparente e, acima de tudo, legal.
O Que o Consumidor de Energia Solar Precisa Saber
Para os consumidores da Paraíba que possuem sistemas de energia solar e foram cobrados indevidamente de ICMS entre setembro de 2017 e junho de 2021, esta decisão é uma vitória. É provável que, após o trânsito em julgado da ação (ou seja, quando não houver mais possibilidade de recurso), a Energisa seja obrigada a comunicar os consumidores sobre como será feita a restituição.
É fundamental que os consumidores mantenham seus comprovantes de pagamento e faturas de energia elétrica desse período, pois podem ser necessários para a comprovação dos valores a serem restituídos. Acompanhar os comunicados da Energisa e do Ministério Público será crucial para entender os próximos passos e garantir o recebimento dos valores devidos. Em caso de dúvidas, os órgãos de defesa do consumidor, como o Procon, podem oferecer orientações.
A decisão da Justiça paraibana é um passo importante para a proteção dos direitos do consumidor e para a consolidação de um ambiente regulatório justo e transparente para a geração distribuída de energia no Brasil. Ela reafirma que as concessionárias de energia devem operar dentro dos limites da lei, respeitando os investimentos e os benefícios que a energia renovável traz para a sociedade.