STF Suspende Julgamento da Desoneração da Folha: Entenda o Impacto Fiscal e Próximos Passos
O cenário político-econômico brasileiro ganhou um novo capítulo de incerteza com a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender o julgamento da ação que discute a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia e municípios. Ao pedir vista do processo, Moraes pausou uma discussão crucial que impacta diretamente a arrecadação federal e a estabilidade fiscal do país, adicionando uma camada de complexidade aos desafios enfrentados pela equipe econômica.
A medida, ocorrida no plenário virtual do STF, concede ao ministro um prazo de até 90 dias para analisar o caso em profundidade e devolver o processo para a continuidade do julgamento. Até o momento da suspensão, a votação registrava três votos favoráveis à manutenção de um modelo de reoneração gradual, que começaria em 2025 e se estenderia até 2027. Essa interrupção prolonga a insegurança jurídica e a expectativa sobre o destino de um benefício tributário que é vital para diversas áreas da economia brasileira.
O Contexto da Desoneração da Folha de Pagamentos
A desoneração da folha de pagamentos é uma política fiscal que substitui a contribuição previdenciária patronal, calculada sobre a folha de salários (geralmente 20%), por uma alíquota incidente sobre a receita bruta das empresas. O objetivo principal é incentivar a geração de empregos e reduzir os custos trabalhistas, tornando os setores beneficiados mais competitivos. Essa medida tem sido prorrogada sucessivamente ao longo dos anos, beneficiando áreas intensivas em mão de obra, como tecnologia da informação, call center, comunicação, têxtil, calçadista, entre outros, além dos municípios.
No entanto, a continuidade dessa política tem sido alvo de intenso debate. O governo federal, em busca de equilíbrio fiscal e maior arrecadação, questionou no STF a legalidade da prorrogação da desoneração sem a devida indicação de compensações fiscais. A Constituição e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) exigem que qualquer renúncia de receita seja acompanhada de medidas compensatórias que garantam o impacto fiscal neutro, ou seja, que as perdas de arrecadação sejam equilibradas por outras fontes de receita ou cortes de despesas.
Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
O Julgamento no STF e o Voto do Relator
A ação no STF foi ajuizada justamente para questionar a constitucionalidade da lei que estendeu a desoneração sem prever as fontes de custeio para a perda de arrecadação. O relator do caso, ministro Cristiano Zanin, proferiu um voto decisivo que, até a interrupção, estava sendo seguido por outros dois magistrados.
Zanin votou para derrubar a lei da desoneração, argumentando que a legislação não poderia ter sido editada sem a previsão de medidas compensatórias. Sua posição se baseia na estrita observância da LRF e da prudência fiscal, um pilar fundamental para a saúde das contas públicas. Curiosamente, o ministro não se pronunciou sobre o mérito de um acordo posterior, que estabelecia uma reoneração gradual entre 2025 e 2027. Esse acordo foi fruto de um diálogo intenso entre os Poderes Executivo e Legislativo, buscando uma solução intermediária para o impasse. No entanto, o voto de Zanin focou na irregularidade da lei original, promulgada sem as compensações necessárias, independentemente de qualquer pacto posterior.
Os ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes acompanharam o voto do relator, formando, até então, a maioria para anular a extensão da desoneração nos moldes em que foi aprovada. A decisão de Moraes de pedir vista, portanto, interrompe essa formação de maioria e abre um novo período de deliberação, adicionando mais tempo a uma questão já bastante debatida.
Impacto Fiscal e Preocupações da AGU
As preocupações com o impacto fiscal da desoneração são substanciais e foram detalhadamente apresentadas pela Advocacia-Geral da União (AGU). O órgão governamental alertou que, mesmo com o acordo que previa a reoneração gradual, os cofres públicos podem sofrer um prejuízo significativo. Para o ano de 2025, a AGU estima uma perda de R$ 20,23 bilhões devido à insuficiência das medidas compensatórias adotadas.
O cenário para o ano anterior, 2024, já era preocupante. A AGU indicou que o impacto negativo total da desoneração alcançou R$ 30,5 bilhões. Contudo, as medidas arrecadatórias implementadas para compensar essa perda totalizaram apenas R$ 9,38 bilhões. Isso resultou em um déficit de R$ 21,12 bilhões no ano passado. Esses números evidenciam um desequilíbrio persistente entre a renúncia fiscal e as ações de compensação, o que compromete a capacidade do governo de financiar políticas públicas e manter a trajetória de ajuste fiscal.
A análise da AGU ressalta que a linha proposta no voto do ministro Zanin, sem alterações na regra vigente da desoneração em si, não endereça diretamente o prejuízo fiscal estimado. Ou seja, mesmo que a lei original seja derrubada pela falta de compensações, a dívida fiscal acumulada e a projeção de perdas futuras continuam a ser um desafio iminente que requer soluções mais abrangentes e eficazes.
O Contexto Econômico Mais Amplo
A discussão sobre a desoneração da folha não ocorre em um vácuo. Ela está inserida em um contexto de grandes esforços da equipe econômica para fechar um considerável buraco fiscal nas contas públicas. Recentemente, o governo enfrentou a rejeição de uma Medida Provisória (MP) que visava arrecadar cerca de R$ 20,9 bilhões. Essa MP propunha aumentar a tributação sobre investimentos e apostas esportivas (bets), além de limitar as compensações tributárias por parte das empresas.
A rejeição dessa MP representou um revés significativo para o Ministério da Fazenda, que contava com esses recursos para equilibrar o orçamento. A proposta da MP, por sua vez, havia sido apresentada como uma alternativa ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que era a ideia inicial para compensar as perdas geradas pela própria desoneração da folha. Essa sequência de eventos — desoneração sem compensação, tentativa de compensação via IOF, substituição por MP, e rejeição da MP — ilustra a complexidade e a urgência da busca por soluções fiscais robustas e duradouras.
A paralisação do julgamento da desoneração pelo STF adiciona mais um elemento de imprevisibilidade a esse quadro já desafiador. Empresas e setores beneficiados pela desoneração ficam em compasso de espera, sem saber se a política será mantida, alterada ou derrubada. Essa incerteza pode afetar decisões de investimento e contratação, impactando diretamente a recuperação econômica.
Perspectivas e Próximos Passos
Com o pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes, o julgamento, que teve início em uma sexta-feira (17) e estava previsto para ser concluído na sexta-feira seguinte (24), agora terá um hiato de até 90 dias. Durante esse período, Moraes terá a oportunidade de aprofundar sua análise sobre os argumentos apresentados pelas partes, o voto do relator e as complexas implicações econômicas e jurídicas da decisão.
A desoneração da folha, embora vista por muitos como um motor para a economia e o emprego, representa um custo fiscal elevado que o governo precisa endereçar. A forma como o STF irá se posicionar, após a manifestação de Moraes, será crucial para definir não apenas o futuro de 17 setores e inúmeros municípios, mas também a credibilidade da política fiscal brasileira e a capacidade do governo de gerenciar suas contas de forma responsável.
A expectativa agora se volta para a retomada do julgamento e a decisão final do Supremo Tribunal Federal, que terá um peso considerável no planejamento econômico do país nos próximos anos. A sociedade aguarda ansiosamente por clareza e por uma solução que concilie a necessidade de estímulo econômico com a imprescindível responsabilidade fiscal.