Capacitação em Florianópolis para Atendimento à População de Rua envolve 40 Municípios

Capacitação em Florianópolis para Atendimento à População de Rua envolve 40 Municípios

Foto: Edna Klein-Ascom SAS

Florianópolis Lidera Capacitação para Atendimento Humanizado da População em Situação de Rua

Florianópolis foi o palco, nesta sexta-feira (30), de um encontro crucial que reuniu gestores e trabalhadores da assistência social de 40 municípios pertencentes à Grande Florianópolis. O evento, cuidadosamente organizado pela Secretaria de Estado da Assistência Social, Mulher e Família (SAS), teve como objetivo primordial uma capacitação aprofundada voltada para o complexo e sensível atendimento à população em situação de rua. As atividades ocorreram no auditório da Associação de Municípios da Grande Florianópolis (Granfpolis), um local simbólico para a articulação regional.

Este ciclo de formação integra o ambicioso Programa Muito Além das Ruas, uma iniciativa de grande envergadura do Governo de Santa Catarina. O programa representa um esforço concentrado para fortalecer o trabalho intersetorial, garantindo um acolhimento digno e processos eficazes de reintegração para indivíduos que se encontram em vulnerabilidade extrema, vivendo nas ruas. A meta é audaciosa: capacitar 100% dos municípios catarinenses. Esse compromisso visa assegurar que todos os gestores e equipes do Sistema Único de Assistência Social (Suas) estejam plenamente preparados para enfrentar os múltiplos desafios inerentes ao atendimento humanizado, contínuo e articulado a essa parcela da população que demanda atenção especializada e urgente.

O Panorama Atual da População em Situação de Rua em Santa Catarina

Durante a capacitação em Florianópolis, os participantes tiveram acesso a um panorama atualizado e detalhado da população em situação de rua no estado. Esses dados, extraídos do CadÚnico – o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – oferecem uma fotografia da realidade, essencial para a formulação de políticas públicas eficazes. Atualmente, Santa Catarina contabiliza aproximadamente 12 mil pessoas nessa condição, um número que ressalta a dimensão do desafio social enfrentado pela região.

A análise demográfica revela padrões importantes: 89,2% das pessoas em situação de rua são homens, enquanto 10,8% são mulheres. Essa desproporção sugere que homens são desproporcionalmente mais afetados pela perda de moradia, possivelmente devido a fatores como pressões sociais, dificuldades no mercado de trabalho ou padrões de dependência química. Outro dado relevante é que apenas 1,8% desse grupo tem mais de 60 anos, o que pode indicar uma expectativa de vida reduzida para quem vive nas ruas ou a existência de outras redes de apoio para idosos em vulnerabilidade. Além disso, uma parcela significativa, 13,4%, possui algum tipo de deficiência ou transtornos mentais, evidenciando a necessidade premente de abordagens de saúde mental e apoio especializado.

A abrangência geográfica do problema também é notável: os números do CadÚnico indicam que 141 municípios catarinenses, ou seja, quase metade do estado, registram a presença de pessoas vivendo nas ruas. Isso demonstra que a situação de rua não é um fenômeno restrito às grandes cidades, mas uma questão que afeta diversas comunidades, de portes variados, em todo o território catarinense.

Rompimento de Vínculos e o Potencial de Reintegração

Um dos aspectos mais alarmantes e que exige maior atenção das políticas públicas é o rompimento dos vínculos familiares. As estatísticas apresentadas na capacitação são esclarecedoras e dolorosas: cerca de 30% dessas pessoas nunca têm contato com a família, enquanto outros 31,5% quase nunca se comunicam. Essa perda de laços familiares e sociais agrava a condição de vulnerabilidade, resultando em isolamento e na ausência de uma rede de apoio fundamental. O Programa Muito Além das Ruas busca, sempre que seguro e apropriado, trabalhar na reconstrução ou no restabelecimento desses vínculos, compreendendo sua importância para a estabilidade emocional e social.

Paradoxalmente, os dados também revelam um grande potencial para a reintegração social. Quase todos os indivíduos cadastrados sabem ler e escrever (95%) e já frequentaram a escola (98%). Esses números desafiam estereótipos e sublinham que a falta de moradia não está necessariamente ligada à ausência de educação formal ou capacidade intelectual. Pelo contrário, essa base educacional sólida representa uma valiosa ferramenta para a reinserção social e profissional. Reforça-se, assim, a necessidade de políticas públicas que não apenas ofereçam abrigo, mas que promovam ativamente a reintegração social e a autonomia, aproveitando o capital humano existente e investindo em oportunidades de qualificação e emprego.

Inovação e Abordagem Intersetorial do Programa

O Programa Muito Além das Ruas vai além da capacitação e do diagnóstico, propondo soluções inovadoras para a gestão do atendimento. Um dos pilares é a criação de um sistema de cadastro digital. Essa ferramenta tecnológica inclui funcionalidades avançadas como reconhecimento facial e um histórico integrado de atendimentos. A integração desses dados permitirá que profissionais de diferentes municípios e serviços tenham acesso facilitado às informações de cada pessoa atendida, sempre com a devida observância dos níveis de sigilo e privacidade necessários a cada serviço.

A importância desse sistema é múltipla: ele evita a duplicação de esforços, oferece uma visão holística do histórico de cada indivíduo, facilita a continuidade do cuidado mesmo quando a pessoa se desloca entre cidades e, crucialmente, otimiza a tomada de decisões. Ao ter acesso a um panorama completo, os profissionais podem elaborar planos de atendimento mais personalizados e eficazes, respeitando as necessidades e particularidades de cada caso. A tecnologia, neste contexto, atua como um facilitador para uma assistência mais coordenada e eficiente.

Após o cadastro inicial e uma escuta atenta das necessidades de cada pessoa, o encaminhamento será feito de forma genuinamente intersetorial. As possibilidades são amplas e diversificadas, refletindo a complexidade das causas da situação de rua. Incluem desde internações em clínicas e comunidades terapêuticas, cruciais para o tratamento de dependência química e questões de saúde mental, até ações de inclusão produtiva. Essas ações visam capacitar e inserir os indivíduos no mercado de trabalho, promovendo sua autonomia econômica e desinstitucionalização – o que significa reduzir a dependência de abrigos e serviços sociais, possibilitando que reconquistem sua independência e uma moradia estável. O objetivo final é romper o ciclo da rua, oferecendo caminhos concretos para uma vida digna e autônoma.

Para sustentar essa robusta estratégia, o programa também prevê investimentos específicos. Esses recursos serão destinados à ampliação das equipes municipais de assistência social e ao reforço do atendimento especializado às pessoas em situação de rua. O aumento da capacidade operacional das equipes é fundamental para garantir que o plano de ação seja implementado com a qualidade e a intensidade necessárias, alcançando o maior número possível de pessoas em situação de vulnerabilidade.

Colaboração Regional e o Futuro do Atendimento

Durante o encontro em Florianópolis, a relevância da integração e da colaboração foi amplamente destacada. Representantes da Granfpolis enfatizaram a importância da sinergia entre os municípios da Grande Florianópolis. Eles ressaltaram a necessidade de um alinhamento técnico conjunto, que permita a criação de protocolos e abordagens unificadas. O enfrentamento da situação de rua é um desafio multifacetado que exige a atuação coordenada e integrada de diversas áreas do governo e da sociedade civil. Setores como Assistência Social, Saúde, Segurança Pública e Justiça, entre outros, precisam trabalhar em conjunto, compartilhando informações e recursos para oferecer um suporte completo e eficaz.

A complexidade da questão exige que cada setor contribua com sua expertise: a Assistência Social no acolhimento e no planejamento de casos; a Saúde no tratamento de doenças físicas e mentais, incluindo a dependência química; a Segurança Pública na proteção e na garantia de direitos; e a Justiça na mediação de conflitos e no acesso a direitos civis. Somente com essa orquestração de esforços será possível construir uma rede de apoio sólida e duradoura, capaz de oferecer uma saída sustentável da rua.

O Programa Muito Além das Ruas representa um marco significativo para Santa Catarina, sinalizando um compromisso sério e inovador com uma das questões sociais mais prementes da atualidade. A iniciativa em Florianópolis é apenas um passo em uma jornada mais longa, que busca não apenas mitigar o sofrimento, mas também restaurar a dignidade e promover a autonomia de milhares de catarinenses.

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