Combate à Violência de Gênero: Campo Bom Realiza Capacitação Multidisciplinar para Profissionais
A violência contra mulheres e meninas representa uma das mais graves violações de direitos humanos em escala global, impactando profundamente a vida das vítimas, suas famílias e a sociedade como um todo. Diante desse cenário complexo e urgente, a articulação de esforços entre diferentes setores da sociedade é fundamental para a construção de redes de apoio eficazes e o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento robustas.
Recentemente, em um movimento estratégico para fortalecer a rede de proteção local, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), em colaboração com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Habitação de Campo Bom, promoveu uma importante capacitação. Este encontro, realizado na Câmara de Vereadores do município, reuniu profissionais de áreas cruciais como segurança pública, saúde, assistência social e educação, marcando um passo significativo na qualificação do atendimento às vítimas e na prevenção da violência de gênero.
A Urgência do Enfrentamento da Violência de Gênero
A violência contra a mulher não se manifesta de uma única forma. Ela abrange desde a violência física e psicológica até a sexual, patrimonial e moral, muitas vezes perpetrada dentro do ambiente doméstico por parceiros ou ex-parceiros. Esse ciclo de violência, além de deixar marcas profundas nas vítimas, perpetua desigualdades e obstrui o pleno desenvolvimento social e individual.
No Brasil, a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) é um marco legislativo fundamental no combate a essa chaga social. Ela não apenas tipifica as diversas formas de violência doméstica e familiar, mas também estabelece mecanismos para a prevenção, proteção das vítimas e responsabilização dos agressores. Contudo, a legislação por si só não é suficiente; é preciso garantir que os profissionais que atuam na ponta do sistema de proteção estejam devidamente preparados e sensíveis para identificar, acolher e encaminhar as denúncias de forma humanizada e eficiente. É nesse contexto que iniciativas de capacitação como a de Campo Bom se tornam indispensáveis.
“CAO na Estrada”: Levando Conhecimento para Todo o Estado
A formação em Campo Bom foi conduzida pela renomada Dra. Ivana Battaglin, promotora de justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (CAO Mulher) do MPRS. Este centro desempenha um papel vital no apoio às promotorias em todo o estado, oferecendo subsídios técnicos, jurídicos e operacionais para aprimorar a atuação do Ministério Público na defesa dos direitos das mulheres.
A capacitação em Campo Bom integra o projeto itinerante “CAO na Estrada“, uma iniciativa do MPRS que visa percorrer diferentes municípios gaúchos, levando conhecimento especializado e promovendo a integração das redes locais de proteção. O objetivo é disseminar as melhores práticas, compartilhar experiências e fortalecer o trabalho intersetorial, garantindo que a resposta à violência seja uniforme e qualificada em todas as regiões do Rio Grande do Sul.
A presença da Dra. Ivana Battaglin ressaltou a importância da coordenação central do MPRS. A articulação local foi igualmente fortalecida pela participação da Dra. Ivanda Grapiglia Valiati, promotora de justiça de Campo Bom. A sinergia entre o nível estadual e municipal é crucial para que as políticas públicas sejam efetivadas no território, adaptando-se às necessidades específicas de cada comunidade.
Formação Abrangente: Da Sensibilização à Ação Prática
O programa de capacitação foi meticulosamente estruturado para abordar o tema de forma abrangente, dividindo-se em dois turnos intensivos.
Manhã: Direitos Humanos e Relações de Gênero
A parte da manhã foi dedicada a uma profunda palestra de sensibilização e reflexão sobre “Direitos Humanos e Relações de Gênero: o enfrentamento à violência contra mulheres e crianças“. Este módulo é fundamental para que os profissionais compreendam as raízes estruturais da violência, que muitas vezes estão ancoradas em desigualdades de gênero e padrões culturais machistas.
Compreender que a violência não é um problema isolado, mas sim um reflexo de dinâmicas de poder desiguais, é o primeiro passo para uma intervenção eficaz. A discussão sobre direitos humanos contextualiza a proteção das vítimas como um imperativo moral e legal, enquanto a análise das relações de gênero permite desconstruir mitos e preconceitos que podem dificultar o acolhimento e a escuta.
A sensibilização é um pilar para desenvolver a empatia necessária no atendimento às vítimas. Profissionais de saúde, por exemplo, aprendem a identificar sinais de violência que nem sempre são explícitos. Educadores são capacitados para atuar na prevenção e identificação precoce de situações de risco entre crianças e adolescentes. Já os agentes de segurança pública e assistência social são orientados a abordar as vítimas com respeito e dignidade, garantindo que o primeiro contato seja de acolhimento e não de revitimização.
Tarde: Treinamento Prático e Ferramentas de Avaliação
No período da tarde, a capacitação avançou para um formato mais prático, com os profissionais participando de atividades de treinamento focadas no uso de instrumentos técnicos de avaliação e identificação de situações de violência. Esta etapa é crucial para transformar a sensibilização em ação concreta.
O domínio dessas ferramentas permite que os agentes públicos avaliem de forma objetiva o risco que a vítima corre, identifiquem os tipos de violência sofridos e saibam como documentar essas informações de maneira adequada. A aplicação desses instrumentos garante que as respostas dos diferentes serviços sejam mais rápidas, assertivas e, acima de tudo, humanizadas. Um bom protocolo de avaliação, por exemplo, pode ser a diferença entre uma intervenção tardia e uma ação preventiva que salve vidas.
Os treinamentos práticos abordam desde a elaboração de planos de segurança para vítimas até a aplicação de questionários padronizados que ajudam a mensurar a gravidade da situação. A troca de experiências entre os participantes também é estimulada, criando um ambiente colaborativo onde desafios comuns são discutidos e soluções conjuntas são pensadas, fortalecendo a rede de referência e contrarreferência entre os serviços.
“O Silêncio também é uma Arma”: Uma Exposição Impactante
Um dos momentos mais marcantes do evento foi a exposição “O Silêncio também é uma Arma“, organizada pela Divisão Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM) da Polícia Civil. A mostra apresentou uma série de fotografias de objetos reais que foram utilizados em casos de agressão, servindo como um alerta visual contundente sobre a gravidade da violência de gênero.
Esses objetos, que em outras circunstâncias poderiam ser comuns – como um cinto, um utensílio doméstico ou um telefone –, adquirem um simbolismo aterrorizante ao serem expostos como instrumentos de violência. A exposição tem o poder de chocar e, ao mesmo tempo, de conscientizar, lembrando a todos que a violência está muitas vezes camuflada no cotidiano e que o silêncio das vítimas ou da sociedade apenas a perpetua.
A iniciativa da DEAM sublinha a importância de dar visibilidade ao problema, que muitas vezes é tratado nos bastidores ou sob um manto de vergonha. Ao quebrar esse silêncio através de uma manifestação artística e educativa, a exposição reforça a urgência de denunciar e de apoiar as vítimas em sua jornada de superação.
O Compromisso da Rede de Proteção
A integração entre os serviços é um ponto crucial. Como bem ressaltou o secretário de Desenvolvimento Social, Gabriel Colissi, o encontro em Campo Bom foi um momento fundamental de aprendizado e união entre os diversos setores que compõem a rede de proteção.
“Trabalhar o enfrentamento à violência contra mulheres exige preparo técnico, mas também sensibilidade e empatia. Cada profissional é uma peça essencial nessa rede, e capacitações como esta fortalecem nosso compromisso em garantir acolhimento, escuta e proteção a quem mais precisa”, destacou Colissi. Sua fala reflete a compreensão de que a violência de gênero não é apenas um problema policial ou judicial, mas uma questão multifacetada que demanda uma resposta coordenada de todos os âmbitos sociais.
A rede de proteção é composta por diversos elos: a delegacia de polícia, os hospitais e unidades de saúde, os centros de referência de assistência social (CRAS e CREAS), as escolas, os conselhos tutelares e, claro, o Ministério Público e o Poder Judiciário. Quando esses elos funcionam em sincronia, a vítima encontra um caminho mais seguro e eficaz para sair do ciclo de violência.
Campo Bom e o Futuro do Enfrentamento à Violência
A Prefeitura de Campo Bom reafirmou seu empenho em promover ações contínuas de conscientização, prevenção e qualificação no combate à violência. Este compromisso vai além de um evento pontual; ele se insere em uma política pública de longo prazo que busca garantir os direitos humanos e a equidade de gênero para toda a população do município.
A capacitação é apenas uma das muitas frentes de trabalho necessárias. É preciso investir em campanhas de conscientização que alcancem toda a sociedade, desde crianças e adolescentes até adultos, desmistificando a violência e incentivando a denúncia. A prevenção também passa pela educação, pela promoção de relações saudáveis e pelo combate ao machismo estrutural.
A busca pela equidade de gênero não é apenas uma questão de justiça, mas um fator determinante para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, pacífica e próspera. Ao investir na capacitação de seus profissionais e no fortalecimento de sua rede de proteção, Campo Bom demonstra um compromisso claro e ativo com a construção de um futuro onde mulheres e meninas possam viver livres de medo e violência.