Por Que é Difícil Recuperar Joias Roubadas de Museus como o Louvre?

Por Que é Difícil Recuperar Joias Roubadas de Museus como o Louvre?

Fotos: Museu do Louvre/Divulgação

Assalto ao Louvre Por Que as Joias da Coroa São Tão Difíceis de Recuperar

O último domingo, dia 19, transformou uma tranquila manhã parisiense em um cenário digno de thrillers cinematográficos. O Museu do Louvre, uma das instituições culturais mais veneradas e visitadas do mundo, foi palco de um audacioso assalto que chocou a comunidade internacional e levantou sérias questões sobre a segurança de tesouros inestimáveis. Criminosos, com uma ousadia impressionante, utilizaram um guindaste para invadir a prestigiada Galerie d’Apollon, um dos espaços mais icônicos do museu, subtraindo oito inestimáveis joias da coroa francesa. A avaliação preliminar dessas peças sugere um valor superior a R$ 550 milhões, um montante que ressalta não apenas seu brilho material, mas também sua profunda relevância histórica e cultural. Contudo, o que torna este crime ainda mais alarmante é o prognóstico sombrio: especialistas alertam que as chances de recuperação dessas joias são consideravelmente baixas, introduzindo um elemento de desespero na busca por esses artefatos históricos.

O que torna o roubo de joias uma categoria à parte no universo dos crimes contra o patrimônio cultural reside na maleabilidade de seu objeto. Ao contrário de obras de arte volumosas, as joias, por sua própria natureza, são intrinsecamente mais fáceis de serem desmanteladas e terem seu valor original obscurecido, tornando a identificação e a recuperação subsequente um verdadeiro desafio para as autoridades.

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Fotos: Museu do Louvre/Divulgação

O Desmanche: Por Que Joias Sumem no Mercado Ilegal

A principal razão pela qual joias roubadas são tão difíceis de rastrear e recuperar reside na prática comum do “desmanche”. Como explica Leandro Varison, antropólogo e diretor de ensino e pesquisa do renomado Museu do Quai Branly, em Paris, “As pedras preciosas costumam ser retalhadas e o ouro fundido, para não serem identificadas. No momento em que você funde ouro, prata e retalha diamantes, é impossível localizar essas peças em seguida.” Essa declaração resume a triste realidade enfrentada por investigadores e curadores: a identidade de um objeto valioso é destruída deliberadamente, transformando-o em matéria-prima genérica para o mercado ilegal.

A Destruição da História por Trás do Lucro

O processo de desmanche não é apenas uma forma de dificultar a localização; é uma estratégia para monetizar rapidamente os bens roubados. Uma coroa complexa, por exemplo, pode ser desmontada, e suas pedras e metais preciosos vendidos individualmente em diferentes mercados, para diferentes compradores. Esse método assemelha-se, tragicamente, ao roubo de carros, onde veículos são desmontados para venda de peças, tornando o rastreamento do item original quase impossível. No entanto, no caso das joias, o que se perde não é apenas a forma, mas o contexto histórico e cultural inestimável.

A prática de desmantelar joias e artefatos, lamentavelmente, esvazia o valor histórico das peças. Muitas vezes, o valor real de uma joia ou artefato não reside apenas na composição material, mas na sua proveniência, na história que carrega e na sua ligação a figuras históricas ou eventos significativos. Varison exemplifica essa perda ao citar o caso de pepitas de ouro roubadas do Museu de História Natural de Paris em setembro. Embora o ouro em si seja valioso, essas pepitas eram particularmente preciosas por terem sido as primeiras encontradas na Guiana, um detalhe que as tornava peças únicas da história geológica e colonial. Ao serem derretidas, essa narrativa é apagada para sempre.

O Contraste: Quadros e Esculturas vs. Joias

Em contraste direto com as joias, obras como quadros e esculturas, apesar de igualmente vulneráveis a roubos, apresentam características que, paradoxalmente, aumentam suas chances de recuperação intacta. Sua natureza indivisível as torna difíceis de serem “desmanchadas” ou transformadas. Um quadro, por exemplo, mantém sua forma original, e isso, embora dificulte seu transporte discreto, também preserva sua identidade e o torna mais reconhecível se vier a reaparecer no mercado.

Um caso notável que ilustra essa diferença é o do Museu Quai Branly, que em maio do ano passado conseguiu recuperar duas raríssimas telas a óleo do artista Jean-Baptiste Debret, pintadas no Brasil. Debret, um dos mais importantes pintores viajantes do século XIX, membro da Missão Artística Francesa no Brasil, é conhecido por retratar a vida cotidiana e a paisagem brasileira da época, tornando suas obras documentos históricos de valor incalculável.

Esses quadros haviam sido expostos no Louvre durante o século XIX e, por volta de 1930, foram transferidos para o Museu do Homem, em Paris, de onde foram roubados durante a efervescência e o caos da Segunda Guerra Mundial. Impressionantemente, duas obras da mesma série continuam desaparecidas até hoje, mostrando a complexidade de rastrear itens perdidos por tanto tempo.

Leandro Varison relata a peculiar descoberta das obras recuperadas: “Em setembro identificamos dois quadros, postos à venda por uma grande casa de leilões na França que não percebeu que as obras eram roubadas, apesar de estarem em base de dados de arte roubada e de os quadros terem no verso antigas etiquetas de museus.” As obras em questão, “Coroados – Le Signal du Combat” e “Coroados – Le Signal de la Retraite”, tinham um valor estimado entre EUR 60 mil e EUR 120 mil. Este incidente destaca a falha de diligência em algumas etapas do mercado de arte, mesmo entre instituições de renome, e a importância de bases de dados abrangentes.

O Mercado Sombrio da Arte Roubada

A existência de um robusto e resiliente mercado de peças roubadas é um fator crucial que complica a recuperação. “Existe um mercado de peças roubadas. Tem gente que compra sabendo que é roubado. A Interpol às vezes consegue captar e desmembrar essas redes, mas é difícil”, afirma Varison. Este mercado clandestino é alimentado por uma complexa rede de criminosos, intermediários e, por vezes, colecionadores sem escrúpulos que adquirem obras sem questionar sua proveniência.

A Interpol, a organização internacional de polícia criminal, mantém uma seção dedicada especificamente a desmantelar essas redes e combater o tráfico ilícito de bens culturais. No entanto, a natureza transnacional desses crimes, a facilidade de ocultação e a constante inovação dos ladrões tornam o trabalho extremamente desafiador. Muitos itens roubados viajam por diversas fronteiras, passando por múltiplos “donos” até serem eventualmente vendidos, muitas vezes por meio de laranjas ou em transações secretas.

A Recuperação Parcial: O Caso da Coroa da Imperatriz Eugênia

Até o momento da publicação deste artigo, uma pequena vitória foi celebrada em meio ao desespero: apenas uma das oito joias roubadas do Louvre foi recuperada. Trata-se de uma coroa de diamantes que pertenceu à imperatriz Eugênia, esposa de Napoleão III. A peça é descrita pela imprensa francesa como uma obra de arte suntuosa, composta por 1.354 diamantes e 56 esmeraldas. A recuperação desta coroa específica pode indicar que, talvez, sua distintividade ou o desafio de seu desmanche imediato a tenham tornado um alvo menos atrativo para a descaracterização, ou que uma investigação rápida e precisa tenha interceptado os criminosos antes que pudessem desmembrá-la.

A complexidade de rastrear e recuperar artefatos roubados leva à necessidade de sistemas de informação robustos. É nesse contexto que surgem as “bibliotecas” de arte roubada, bases de dados vitais na luta contra o crime de arte.

As Bibliotecas de Arte Roubada: Ferramentas na Luta Contra o Crime

Existem diferentes bases de dados que servem como ferramentas cruciais no rastreamento de itens roubados. Duas das mais proeminentes são o banco de dados da Interpol e o Art Loss Register.

O banco de dados da Interpol, que atualmente cataloga cerca de 57 mil itens, opera sob critérios mais rígidos. Ele só registra objetos de arte roubados e desaparecidos que são reportados oficialmente pelas agências policiais de seus respectivos países membros ou por entidades parceiras, como a Unesco. Isso garante um nível de verificação e autenticidade que é essencial para investigações internacionais.

Por outro lado, o Art Loss Register (ALR), com sede em Londres, é a maior base de dados privada do mundo para obras de arte, antiguidades e itens colecionáveis perdidos e roubados. Com uma impressionante marca de 700 mil peças registradas, o ALR aceita denúncias feitas não apenas por órgãos policiais, mas também diretamente pelas vítimas dos saques, como colecionadores particulares e museus. Essa abrangência o torna uma ferramenta indispensável para quem busca recuperar bens ou verificar a proveniência de itens antes de uma compra.

Histórias de Sucesso e a Persistência da Busca

A utilidade dessas bases de dados é comprovada por inúmeras histórias de sucesso. Por exemplo, o Art Loss Register contém registros de santos centenários roubados de igrejas brasileiras, um triste reflexo do saque histórico do patrimônio religioso do país. Um caso notório é o de uma Nossa Senhora do Rosário, saqueada em 1953 da capela de mesmo nome em Japaraíba, no interior de Minas Gerais, que permanece na lista, aguardando ser identificada e recuperada.

Em 2021, uma pesquisa no site do ALR foi fundamental para a recuperação de um broche anglo-saxão de bronze, que havia sido roubado em 1995 de um museu municipal no norte da Inglaterra. O objeto, de valor histórico considerável, foi rastreado após quase três décadas, demonstrando que a persistência na manutenção e consulta dessas bases de dados pode, eventualmente, trazer resultados.

As operações da Interpol também frequentemente resultam em grandes apreensões. Em maio, a organização anunciou a prisão de 80 pessoas e a apreensão de mais de 37 mil itens. Essa vasta coleção de bens roubados incluía desde peças arqueológicas e obras de arte até moedas e instrumentos musicais. Entre os destaques dessa operação estavam 300 artefatos romanos, descobertos em um apartamento na Itália, que estavam sendo vendidos ilegalmente pela internet, ressaltando o papel da web como um novo e vasto mercado para o comércio ilícito de arte.

Conclusão: A Luta Contínua Contra o Crime de Arte

O audacioso roubo no Louvre, seguido pela difícil recuperação das joias da coroa francesa, serve como um lembrete contundente da vulnerabilidade do nosso patrimônio cultural. Enquanto museus investem em segurança de ponta, a engenhosidade e a brutalidade dos criminosos continuam a desafiar as barreiras, explorando as fraquezas inerentes a certos tipos de artefatos, como as joias que podem ser desmanteladas.

A batalha contra o crime de arte é uma luta contínua e complexa, que exige cooperação internacional, vigilância constante e o aprimoramento contínuo de ferramentas como as bases de dados da Interpol e do Art Loss Register. Cada peça roubada representa uma perda não apenas monetária, mas também uma lacuna na história e na cultura da humanidade. A esperança é que, mesmo diante de prognósticos desafiadores, o esforço conjunto de especialistas, policiais e instituições culturais possa eventualmente trazer de volta à luz esses tesouros desaparecidos, preservando-os para as futuras gerações.